Refinamento e força estética como metas
diretora artística, Iracity Cardoso. Mostra, no Theatro Municipal de São Paulo, até este domingo, 12, três coreografias curtas, assinadas por três criadores que vêm buscando espaço como coreógrafos independentes na Europa – um traço que determina muita coisa quando o assunto é a dança.
Cayetano Soto passou a ser residente em uma companhia canadense no ano passado, e já colaborou menos episodicamente com duas outras (Aspen Santa Fe Balle e Introdans). Mas os três vivem profissionalmente de vender obras para companhias diferentes. Para quem trabalha com um tipo de produção diretamente dependente de quem a realiza, como ocorre na dança, o fato de não lidar de forma continuada com um grupo mais estável de bailarinos ‘instabiliza’ o que é necessário para o refinamento do que se convencionou chamar de “linguagem artística”.
Nessa situação, de modo geral, o burilamento no jeito de compor passa a ser entendido como a invenção de novos passos ou de novas combinações entre os que já existiam, que serão posteriormente “aplicados” na composição. No resultado dessa “criatividade”, os passos e suas combinações são usados como mobília para decorar o palco. Vão para o foco aqui, espalham-se ali, juntam-se depois, mas o corpo em movimento (que os está fazendo) não define o espaço, não o encolhe ou estica ou estilhaça ou planifica. Quem fica incumbido de fazer tudo isso é a luz, mas também como um enfeite, que vai apagando um pedaço do espaço, e fatiando, recortando ou focando outros.
André Mesquita ( Corpus, 2016), Itzik Galili ( O Balcão de Amor, montado em 2014) e Cayetano Soto ( Ad a s t r a , de 2015) comungam desse pensar. Não à toa, há muitas coin- cidências nas suas produções (fumaça, escuros e claros se alternando de um modo semelhante, uma mesma lógica de ocupar e distribuir os movimentos pelo palco, o entendimento comum de figurino como peça de desfile de moda, etc.). O que as separa é, basicamente, o tipo de vocabulário. Dos três, apenas o de Soto está à altura da qualidade do elenco do Balé da Cidade. As pernas funcionam como lâminas que separam o antes do depois, os pas de deux atuam como compassos que fincam e circundam o espaço com seus gestos, propondo dinâmicas capazes de estimular o que cada bailarino consolidou.
Corpus, de André Mesquita, embora tenha sido criada para o Balé da Cidade de São Paulo, parece ignorar com quem está trabalhando. Oferece um material muito aquém da capacidade deste elenco de excelência, tanto técnica quanto artisticamente. E como essa já é a característica de O Balcão do Amor, de Itzik Galili, que abusa da superficialidade dos entendimentos de personagem e pantomima e os formula de forma escolar, a junção destas duas coreografias fragiliza o programa.
Como toda companhia depende do material com o qual trabalha para se consolidar, essas duas coreografias representam oportunidades desperdiçadas nesse sentido. Mas não impedem que se valorize o cuidadoso trabalho das ensaiadoras (Suzana Mafra, Kênia Genaro e Roberta Botta) a afinar o talento desses admiráveis bailarinos.