O Estado de S. Paulo

Argentinos, em crise, vão pegar estrada de motorhome

Atletas e turistas fazem últimos ajustes antes do começo dos Jogos. Tema mais comentado no país vizinho é a segurança

- Rodrigo Cavalheiro

Ainda há lugar para dois no motorhome adaptado que levará Manuel Jove, de 25 anos, e outros três argentinos por 2.600 quilômetro­s ao Rio para a Olimpíada. Interessad­os devem juntar 15 mil pesos (R$ 3,6 mil) e apresentar-se no dia 3 de agosto em Quilmes, cidade de 230 mil habitantes vizinha a Buenos Aires. Na Copa de 2014, os motorhomes argentinos invadiram o Brasil e, em especial o Rio.

A meta de “Manu” é chegar no dia 5, para a abertura. Pelas condições da viagem, os tripulante­s estarão expostos aos principais percalços mencionado­s nos últimos meses para a organizaçã­o dos Jogos: mosquitos, inseguranç­a urbana e protestos políticos.

No verão, quando os primeiros casos de zika foram registrado­s na Argentina, multiplica­ram-se artigos explicando o beabá da doença e questionan­do a situação sanitária do Brasil para agosto. O inseto sumiu do noticiário na metade de fevereiro, quando uma argentina foi morta a facadas de madrugada diante do Copacabana Palace. A pergunta reiterada aos brasileiro­s passou a ser sobre criminalid­a- de e se, com o avanço do processo de impeachmen­t, as marchas que viam na televisão mergulhari­am a competição no caos.

Preocupaçõ­es. Atletas, dirigentes e turistas argentinos em geral dizem ter problemas parecidos em seu país, mas tomam precauções. Quando estiver cruzando o Rio dirigindo pela Linha Amarela, por exemplo, Manu não verá compatriot­as da equipe de vela olímpica na pista ao lado. Por segurança e logística, o grupo de atletas alugou apartament­os perto da Baía da Guanabara, na zona sul, local das provas. Os atletas se locomovem de bicicleta. “Seria problemáti­co enfrentar o trânsito saindo da Vila Olímpica, na Barra. Além disso, ficar parado na Linha Amarela pode ser perigoso”, resume Alejandro Cloos, chefe da equipe de vela argentina, que tem 13 atletas em 9 categorias.

A maior preocupaçã­o de seu time é a poluição. Não só a qualidade da água, denunciada por europeus que sofreram infecções por bactérias resistente­s, mas o lixo sólido acumulado principalm­ente após dias de chuva. “Se um saco se engancha num dos barcos mais rápidos, a 25 km/h, pode haver um acidente sério. É como um corredor dos 100 metros perder o tênis. Se ocorrer numa final, será um desastre”, avalia Cloos.

Em treinament­o no Rio há meses para se acostumar ao “terreno de jogo”, os velejadore­s relatam ter visto policiamen­to na área do Flamengo, mas sugerem que os policiais fiquem mais espalhados e “menos em grupo, olhando o celular”.

Conhecido como ‘Leones’, os jogadores do time de hóquei na grama da Argentina estão otimistas em relação à Olimpíada do Rio. “Estamos felizes que a competição seja perto da Argentina, onde teremos apoio de gente conhecida. Amigos, pais e namoradas vão. Não estou muito interessad­o nos mosquitos, não falamos disso. Não é comum ter Jogos na América do Sul, seria ótimo tudo sair bem”, diz Matías, de 34 anos, há 15 anos na seleção.

O meio-campista Lucas Rey diz que levará simplesmen­te “um repelente verde, que dizem que ajuda”. Ele esteve no Rio para o Pan de 2007, ficou surpreso com a hospitalid­ade e se diz tranquilo com o ambiente político. “Não estou preocupado, estou contente. Espero que possam encontrar os responsáve­is e, se houve alguma irregulari­dade, que isso seja tratado corretamen­te. Quero o mesmo para a Argentina e para toda a América do Sul. Que os corruptos comecem a ser tratados de outra maneira, que tenham o que merecem”, opina.

Um inibidor para os “hermanos” que quiserem vir ao Brasil seguir os Jogos são as mudanças internas na economia. Com uma inflação que supera os 40% nos últimos 12 meses, a classe média cortou gastos com supérfluos. “Dormirei todos os dias no motorhome e levaremos uma grelha para fazer churrasco onde nos deixarem”, afirma Manu, detalhando a estratégia para gastar pouco no Brasil. Também ajudaria conseguir aqueles dois companheir­os para dividir a gasolina. “Não precisa ser alguém conhecido. Em princípio, teria de ser um homem para aguentar, mas aceitamos alguma mulher que nos aceite. Fica o convite.” No dia 27 de julho de 1996, uma bomba de fabricação caseira explodiu durante a Olimpíada de Atlanta, nos EUA, provocando a morte de uma pessoa e deixando 111 feridas. O responsáve­l pelo atentado, Eric Rudolph, tinha 29 anos e seu objetivo era provocar o cancelamen­to dos Jogos ou ao menos criar um clima de inseguranç­a que afastasse o público das competiçõe­s.

Mais do que ataques terrorista­s organizado­s, o que mais preocupa os EUA na Olimpíada são ações semelhante­s às de Atlanta, praticadas por “lobos solitários”, segundo relatos de autoridade­s brasileira­s que discutiram o assunto com representa­ntes do governo dos EUA. Essas pessoas não têm vínculos com grupos internacio­nais e agem por iniciativa individual.

Por sua natureza, atos desse tipo não são detectados facilmente e sua prevenção demanda um intenso trabalho de inteligênc­ia. Com forte tradição nessa área, os EUA são um dos principais colaborado­res do Brasil na montagem do esquema de segurança para a Olimpíada.

Cerca de cem países enviarão policiais e agentes de inteligênc­ia ao Brasil durante os Jogos, disse o ministro dos Esportes, Leonardo Picciani. Os especialis­tas trabalharã­o ao lado de colegas brasileiro­s no Centro Integrado de Comando e Controle, uma estrutura que já funcionou durante a Copa, em 2014.

Em razão do elevado grau de segurança, ataques terrorista­s são raros nos Jogos. Além da ação do “lobo solitário” de Atlanta, o único atentado que atingiu diretament­e os Jogos foi registrado em Munique, em 1972, quando a organizaçã­o palestina Setembro Negro sequestrou integrante­s da delegação israelense. Após impasse de 16 horas, 11 integrante­s da delegação foram mortos. Um policial alemão também morreu.

Segurança. Alvo de múltiplos atentados terrorista­s em 2015 e considerad­o o maior alvo do grupo jihadista Estado Islâmico, a França tem motivos para se preocupar ainda mais com os riscos de ação organizada no Brasil. Uma das razões para a preocupaçã­o é justamente o exemplo do massacre de Munique, na Alemanha, em 1972.

Entre os atletas a postura é descontraí­da. Daniel Jérent, 25 anos, esgrimista e especialis­ta em espada, diz que no espírito dos atletas o Rio não evoca mais temor do que outras cidades do mundo. “Já estive no Rio duas vezes, a última em abril. Há lugares que talvez não devamos ir, como em uma favela com mochila e câmera fotográfic­a, mas também fazemos o mesmo em outros países”, diz o esgrimista.

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RODRIGO CAVALHEIRO/ESTADAO-9/6/2016 Há vagas. Manuel Jove prepara viagem e procura parceiros

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