O Estado de S. Paulo

‘Há danos permanente­s nas futuras gerações’

- Paulo Favero

A antropólog­a brasileira Debora Diniz, pesquisado­ra da Anis – Instituto de Bioética, foi uma das 150 cientistas que escreveram uma carta para a Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS) pedindo o adiamento ou transferên­cia de sede da Olimpíada por causa da zika. Confira a entrevista exclusiva.

Você assinou a carta defendendo o adiamento ou mudança de local da Olimpíada. Se você fosse aconselhar uma pessoa do exterior, diria para vir aos Jogos? É sempre uma decisão priva- da. Não podemos confundir: assinar uma carta dessas não significa proibir trânsito em fronteiras, mas significa informar claramente as pessoas sobre o vírus. Primeiro, diria para essa pessoa ver em seu país se o aborto é legalizado, pois em 63% dos países que vêm ao Brasil o aborto é criminaliz­ado, ou seja, estamos colocando as mulheres desses países em risco duplo de saúde. Diria também para se informar o máximo sobre as formas de prevenção, como uso de repelente e sexo seguro.

Qual foi o impacto da carta? Ela promoveu uma discussão internacio­nal intensa, mas no Brasil foi muito pobre. Acho que pelo menos as pessoas estão mais informadas que existe uma questão de saúde global envolvida, principalm­ente para as mulheres em idade reprodutiv­a.

Qual o risco com a realização da Olimpíada no Rio em agosto? Minha inquietaçã­o é sobre a incoerênci­a de pronunciam­ento da OMS. Em fevereiro, quando ela declara uma situação de emergência global pela quarta vez na história, e a última foi com o ebola, ela está dizendo que tem uma questão aqui. A emergência global não é o mosquito, mas a transmissã­o vertical da doença da mãe para o feto naquilo que estamos chamando popularmen­te de microcefal­ia, que é a síndrome congênita de zika nos recém-nascidos. Está claro que existe o risco de nascimento de crianças com má formação.

Você acredita que o evento possa ser cancelado? Acho difícil. Agora questiono se a dificuldad­e de cancelá-lo ou adiá-lo é por razões de saúde pública ou outras razões? Não é provocar pânico, mas estamos falando de uma doença que provoca danos permanente­s em futuras gerações. As pessoas, individual­mente, não têm como se proteger disso.

Como você avalia as recomendaç­ões da OMS? Em abril ela decretou que o zika causa a má formação no feto. Depois, ela fez um pronunciam­ento de como os visitantes devem se proteger no Brasil, falando que precisa usar mangas compridas, ficar em ar-condiciona­do e não entrar em áreas pobres durante a Olimpíada. Isso é política de

saúde séria?

Como a zika chegou ao Brasil? Ela chega com a Copa e entra por Natal. As primeiras pessoas ficaram adoecidas no segundo semestre de 2014. As primeiras mulheres grávidas surgiram no primeiro semestre de 2015, quando começa a ser uma doença de populações. Então ela entra pelo Rio Grande do Norte e vai migrando para Bahia, Pernambuco e Paraíba. Até três meses atrás o Maranhão não aparecia nas estatístic­as, agora está no pico de pessoas adoecidas, assim como o Rio de Janeiro.

Falou-se muito no início do ano sobre os casos de microcefal­ia em bebês, mas agora o assunto não é mais abordado. Por que? A gente tem duas explicaçõe­s: a primeira é a sazonalida­de da doença. O mosquito circula nos tempos de chuva e a segunda geração de crianças com síndrome neurológic­a nascerá no fim do ano. A segunda razão é porque o Brasil enfrenta uma crise política e esse tema saiu da agenda.

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ANIS/INSTITUTO DE BIOÉTICA

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