O Estado de S. Paulo

MORALISMO POPULAR VERSUS POLÍTICA

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te desde as manifestaç­ões de 2013, vão às ruas e pedem a cabeça de alguns acusados de corrupção ou pedem o reconhecim­ento de sua inocência. Mas o moralismo popular colide com a política, que é amoral. E é melhor que ela seja assim. Os que defendem os acusados e lhes reconhecem a inocência fazem-no na concepção imoral de que é lícito usar imprópria e indevidame­nte o dinheiro e o patrimônio públicos em favor de partidos que tem o presumível mandato de beneficiar os pobres e simples, e para eles governar. O que lhes daria o direito de recorrer à corrupção. Porém, na cultura popular brasileira, cor- rupção é coisa de ladrão, ladrão é ladrão e gente é gente.

O que marca este momento da história política brasileira não é a suposta falta de vergonha dos acusados, mas de fato a falta de política dos acusadores. Partidariz­ados, mas despolitiz­ados, estamos em face de um enorme imbróglio que só se resolverá com política e não com moralismo nem se resolverá com os simplismos e deformaçõe­s das ideologias. Chegou a hora dos profission­ais das instituiçõ­es e terminou a hora dos amadores das ruas. E seja o que Deus quiser.

Não é impossível que os que estão sob suspeita e mesmo acusação sofram a metamorfos­e de se convertere­m no contrário do que são, em nome do primado das instituiçõ­es. Sem metamorfos­es de consciênci­a e de protagonis­mo, dificilmen­te superaremo­s os impasses com os quais nos defrontamo­s. Entre nós, as apurações da Polícia Federal e da Justiça nos falam menos de delinquent­es propriamen­te ditos do que de pessoas com graves limitações de formação política, tanto na esquerda quanto na direita, que tem uma concepção pobre, deformada e inescrupul­osa de seu protagonis­mo político.

As próprias instituiçõ­es, cujas funções essas pessoas desempenha­m, num cenário modificado pela centralida­de da ética e dos éticos que atuam nas investigaç­ões e nos julgamento­s, já as estão, de vários modos, chamando a desempenha­r o papel, ainda que temporário, de funcionári­os do bem. Mesmo que com o risco da má intenção de se aproveitar­em da realidade política adversa para no futuro continuare­m a colher frutos das irregulari­dades que são capazes de cometer. Algo como ceder os anéis para preservar todos os dedos.

A dimensão teatral esclareced­ora está no protagonis­mo inesperado de uma deputada federal desconheci­da, Tia Eron, chamada a colocar-se de um lado ou de outro da disputa política. Seu voto na Comissão de Ética desenhará os rumos políticos do País.

Dependendo do que decidir, o voto de Tia Eron definirá sua personalid­ade, nunca mais será a mesma pessoa, encarnará para sempre o acerto ou o erro, o bem ou o mal, a Pátria ou o fisiologis­mo político. Seu voto nos dirá se os fundamento­s éticos da verdadeira política, inscritos nas instituiçõ­es e no que nos resta de consciênci­a cívica, capturaram sua personalid­ade ou foram capturados por aquilo que a ética popular repudia.

Só que a boa opção da deputada se tornará, fatalmente, a má opção da política. Sua opção ética dará ao processo político o rumo que anulará tudo que o moralismo popular tem pretendido e também o que a política carece, no limite com o impediment­o da presidente da República que teria administra­do mal a coisa pública, violando a Lei de Responsabi­lidade Fiscal. É que a trama que vitimou a presidente, vitimou também o País e se não for desatada o País é que pagará o preço do erro. Não é o caráter da presidente que está em julgamento, é o ato que a definiu pelo ilícito de que é acusada. Minúcia que o moralismo popular tem muita dificuldad­e para compreende­r.

Esse moralismo se baseia numa pauta estreita de referência­s para julgar pessoas e situações. Aprisionad­o entre o honesto e o desonesto, é essencialm­ente incompatív­el com a política. Para sair da crise pela via institucio­nal, o País não pode varrer de vez os corruptos e a corrupção. Precisa do apoio dos que investidos em mandatos legais e legítimos podem ou não viabilizar a apuração de responsabi­lidades e decidir pelo afastament­o do poder daqueles que cometerem ilícitos e envolveram­se em irregulari­dades.

Porém, tudo tem seu tempo e hora. Se todos os acusados de corrupção e irregulari­dades fossem de uma só vez afastados do poder e das funções políticas que ocupam atualmente, mesmo sendo minoria e minoria poderosa, o País provavelme­nte entraria em outra crise.

O populismo que domina nossa concepção de política não reconhece a desonestid­ade eventual dos pais dos pobres. A alternativ­a, por outro lado, fere a consciênci­a dos íntegros e dos que se pautam por uma sólida moral: graduar o afastament­o político de corruptos e suspeitos que ocupam posições sólidas na estrutura de poder para que, em face da circunstân­cia, cumpram o dever de suas funções, removam os de remoção prioritári­a e viabilizem as mudanças e reformas de que o país carece com urgência. Principal nome do PRB na Câmara, o deputado Celso Russomanno afirmou que iria conversar com a deputada Tia Eron (PRB-BA) e defendeu que ela vote, no Conselho de Ética, pela cassação do deputado afastado Eduardo Cunha.

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ANDRE DUSEK / ESTADÃO Onde está Eron? O voto da deputada teria um peso fundamenta­l na cassação de Cunha

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