OS DESAFIOS DE GÊNERO NA INFÂNCIA
ziam, ‘e daí?’ Ou, ‘já achávamos que ela era um pouco menino’”. Rebecca Fagin supervisionou em sua escola a transição de uma segunda criança de menina para menino na mesma quinta série, este ano. Ela sabe que a aceitação do desconhecido passa por uma tolerância de mão dupla. Quando conversa com os alunos, dispersa a noção de que, se erram de pronome ou esquecem e chamam a criança pelo nome antigo, estão insultando um colega. Pergunto se a história das duas crianças atraiu a atenção de pais de outras escolas e ela confirma que uma família está tentando se mudar para a região do bairro que dá direito à matrícula na PS29. Admite também que, com o rápido processo de gentrificação do Brooklyn, a diversidade étnica e econômica no corpo de estudantes vai caindo.
Mas Jean Malpas, com seus anos de experiência, não vê na classe um fator determinante na aceitação das filhos com fluidez de gênero. “O que notamos,” diz, “é que o estresse causado pela pobreza, combinado com pouca educação, acaba por aumentar o estresse da criança que não se conforma com o sexo designado. Uma vez que explicamos à família que não se trata de patologia e, quanto mais a criança for aceita, ela será melhor ajustada e bem sucedida na idade adulta, a tendência é os pais reagirem com amor e não rejeição,” ele diz. “Aceitar é proteger.” E se, por motivos religiosos, uma família disser, não quero meus filhos menores frequentado a turma da criança que fez a transição? “Respondo como responderia se uma família não quisesse seus filhos estudando com muçulmanos,” ele diz. “É contra a lei discriminar, ponto.”
O psicólogo alerta que, para aliviar a angústia intensa provocada pelo inconformismo com gênero, crianças e adolescentes devem também ser orientados a se proteger: “O mundo está cheio de bullies e uma linha tênue separa proporcionar segurança de criar uma ilusão de segurança.” A ênfase nas famílias, não importa a natureza dos relacionamentos entre os adultos responsáveis, é fundamental para Malpas. “Sabe quando pedem, nos aviões, que, em caso de despressurização, os adultos ajustem primeiro sua máscara de oxigênio para depois assistir as crianças?”, pergunta. “É uma analogia apta para os pais de crianças com fluidez de gênero. Eles precisam estar respirando para ajudar seus filhos a respirar.”
O que fez um imigrante belga trilhar um caminho tão desconhecido numa cidade como Nova York, já celebrizada no cinema e na literatura como campo fértil para psicoterapia? Um episódio numa sessão ajuda a explicar. No começo da projeto, Malpas recebeu uma criança com a mãe, que advertiu, ela não vai sossegar um minuto se eu não ficar na sala, sente tanta ansiedade que não se afasta de mim. A criança logo mandou a mãe embora e ficou absorvida com outras na sessão de duas horas. Na saída, perguntou: “Posso voltar aqui quando eu tiver 15 anos?” Sim, foi a resposta. “Posso voltar quando eu tiver 25 anos? E com 50 anos também?” Exausta com seu mundo de exclusão, ela queria alguma garantia de que poderia sempre voltar ao pequeno mundo recém-descoberto.