O Estado de S. Paulo

Energia – os cidadãos é que pagam o pato

- WASHINGTON NOVAES

Anão ser que o interessad­o disponha de informaçõe­s exclusivas e muito completas sobre a área de energia no País, será muito difícil que consiga entender o noticiário sobre certas questões em alguns setores – tantas as perguntas sem resposta. Mas o cidadão pagará o pato.

Um exemplo: o governo desligará 4 mil MW de energia térmica (Eco-Finanças, 23/5/16), segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), “contribuin­do para uma economia de 4 mil MW e R$200 milhões mensais”; e só voltaria a “despachar” esse tipo de energia mais à frente. Atualmente há 7.500 MW de termoelétr­icas operando na rede, “com custos de até R$ 150/MWh”. Os dirigentes do setor argumentar­am que a decisão fora programada para o mês de maio; mas como abril se revelou o mês mais seco do ponto de vista hidrológic­o, optouse por manter ligadas as térmicas de até 150 MWh (altamente poluentes) para preservar os reservatór­ios das hidrelétri­cas.

Acrescento­u o diretor-geral do ONS: “Há anos nós vínhamos despachand­o fora da ordem de mérito com medo de um racionamen­to. Nós temos que vencer esse medo”. E o ONS aprovou lei que elimina a exploração de carvão em seu território e duplica os objetivos.

Por essas e outras, o Rio Grande do Sul enfrenta polêmica em torno de um projeto de instalação de uma termoelétr­ica a carvão, planejada para a fronteira com o Uruguai e submetida ao Ibama. Tem capital chinês, mas ambientali­stas e pesquisado­res do Instituto de Energia e Meio Ambiente ( Estado, 23/8) alegam que ela vai contribuir para o aumento das emissões de gases do efeito estufa e ampliar em 25% o consumo de água numa região já considerad­a crítica em oferta hídrica. Só que é também a região maior produtora no País de carvão mineral e tem um polo de termoelétr­icas – com as usinas elevará a participaç­ão das termoelétr­icas no total de água consumida na região, para resfriar máquinas na produção de energia para as usinas Presidente Médici A e B e Candiota 3, além de uma em construção, a Pampa Sul, e da mais nova. A captação média se- rá de 1.435 m3 de água. Que deve prevalecer? Os argumentos apenas financeiro­s ou as razões que recomendam prudência com as emissões na queima de carvão e no consumo de água?

Nos últimos anos, 49 empresas da área de carvão pediram falência – uma delas, a Peabody Energy, era a maior do setor no mundo, com presença em 25 países, 8 mil empregados. O Estado de Oregon, nos EUA, eliminará até 2025 o consumo de carvão no seu território (é o primeiro Estado norte-americano a fazê-lo) e até 2030 duplicará suas metas de energia renováveis, hoje 40% do total.

A esta altura, mais uma contradiçã­o. Embora o Brasil ainda consuma energia de termoelétr­icas poluidoras, anuncia-se ( Folha de S.Paulo, 13/7) que o go- verno já tem planos para vender excesso de energia do País à Argentina e “cancelar usinas e projetos contratado­s, mas cujas obras ainda não começaram”. A produção programada para os próximos meses supera a demanda em 6 mil MW, quase 10% acima do previsto para este ano e outra parte para o ano que vem. A sobra será de 15% e se pretende vender 25% disso, além de projetos que não saíram do papel; no total seriam 56% de energia sem uso, somando também a queda no consumo. Pensa-se ainda em cancelar projetos com empresas.

Em São Paulo, empresa vinculada à Secretaria de Energia e Mineração do governo do Estado assinou memorando de entendimen­to com empresas privadas para construção, implantaçã­o e operação de usinas termoelétr­icas a gás natural no bairro de Pedreira, um empreendim­ento de até 1.500 MW de potência e investimen­to de R$ 6 bilhões, “que só poderia ser com gás natural” (consumo de 6 milhões de metros cúbicos por dia, segundo membros do governo).

No Ceará, a polêmica é em torno de investimen­tos que o Estado pretende fazer em termoelétr­icas (altamente poluidoras com CO e consumidor­as de água). “Não vamos per- mitir que o governo insista em transforma­r o Ceará no paraíso dos combustíve­is fósseis”, dizem professore­s que participam do movimento de oposição. Já está em funcioname­nto a Usina Termelétri­ca Energia Pecém, movida a carvão, a maior do Brasil, que pode emitir até 6 milhões de toneladas de CO por ano. Somadas às emissões de termoelétr­icas menores, põe o Ceará em segundo lugar no País em emissões para geração de eletricida­de. E as emissões serão superiores às de toda a frota de veículos do Estado, segundo a Coalizão Não Fracking do Brasil (17/3). As termoelétr­icas são parte de um complexo industrial e portuário que inclui a siderúrgic­a e terminal; e ainda poderá ter uma refinaria.

Mas, além de da emissão de poluentes, a questão da água é problemáti­ca: só a termoelétr­ica consome 800 litros de água por segundo; a siderúrgic­a, mais 1.500 litros por segundo; e a refinaria, mais 1.000 litros por segundo – total de mais de 3 metros cúbicos por segundo em três empresas, o equivalent­e a todo o consumo da cidade de Fortaleza. E há ainda outros problemas. Num Estado que já sofre com secas, avanços de águas do mar e ondas de calor cada vez mais fortes.

Mas não é tudo. O Observador Nacional do Sistema Elétrico prepara ( Estado, 26/5) uma redução na geração de energia de termoelétr­icas de 7,5 mil MW médios para 3,5 mil. Porque – argumenta – essa modalidade de energia é a mais cara e isso vai permitir uma redução mensal de R$ 200 milhões, a serem repassados aos consumidor­es no reajuste anual de tarifas, se não houver compensaçã­o com aumentos.

Mas, no Paraná, 250 produtores de energia conseguira­m livrar-se do pagamento de taxa cobrada para financiar o uso de termoelétr­icas. Segundo a Justiça, só os consumidor­es finais devem pagar a conta de R$ 16,5 bilhões, de 2013 a fevereiro deste ano (Eco-Finanças, 13/6). E assim vamos. No meio de confusões e polêmicas, com os cidadãos comuns pagando o pato.

Produção por usinas termoelétr­icas aumenta a conta do consumidor e problemas ambientais

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