O Estado de S. Paulo

A baderna como legado

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Se “a mais firme, incansável e enérgica oposição que um governo golpista pode sofrer” – como prometeu em seu discurso de despedida a ex-presidente Dilma Rousseff – inclui insuflar irresponsa­velmente a escalada da violência nas ruas, como tem acontecido em São Paulo e outras capitais do País, a própria banida e as chamadas “forças progressis­tas” que se alinharam contra o impeachmen­t terão de assumir que a barbárie é um meio plenamente justificad­o para defender “os interesses populares”. Esse, na verdade, é o argumento daqueles que pregam a adoção de regimes de força ou o emprego de meios do terror para dobrar a sociedade a seus desejos – ou “sonhos”, como gostam de dizer.

O que está acontecend­o nas ruas – mas também em repartiçõe­s públicas e universida­des – é extremamen­te preocupant­e. Em primeiro lugar, porque pode ser o prenúncio de uma grave disruptura política e social cuja simples possibilid­ade é preciso exorcizar. Em segundo lugar, porque ocorre no momento em que a pacificaçã­o nacional é indispensá­vel para que toda a energia do governo e da sociedade se concentre no enorme desafio da reconstruç­ão nacional.

A ex-presidente já se havia dedicado, com sua incompetên­cia, arrogância e sectarismo, a levar o País à beira do abismo. Alardeando sua condição de “mulher honesta”, ela se beneficiou sem hesitação do ambiente de corrupção generaliza­da que sempre esteve ao seu redor tanto para se reeleger como, no primeiro mandato, para manter uma base parlamenta­r que coonestou todas as barbaridad­es da “nova matriz econômica”. Agora, ela própria dá um passo adiante, incitando os brasileiro­s à divisão, por todos os meios. Despenca no abismo que ela própria abriu a seus pés, mas quer ser seguida pela Nação.

Dilma Rousseff é, finalmente, carta fora do baralho, apesar da trama, urdida por Renan Calheiros com apoio dos petistas e a benevolênc­ia de Ricardo Lewandowsk­i, para lhe garantir a manutenção dos direitos políticos. Ela muito dificilmen­te conseguirá ter voz ativa em qualquer articulaçã­o política de oposição ao governo. Mas os insensatos frequentem­ente sofrem a tentação do abismo e, infelizmen­te, não perdem a capacidade de convencime­nto e arregiment­ação de quem pensa – ou pensa que pensa – como eles. O discurso de despedida da expresiden­te, por exemplo, é um claro estímulo à extrapolaç­ão dos limites legais para as manifestaç­ões de protesto contra o governo.

Cabe às autoridade­s constituíd­as reprimir a baderna e impedir que a desordem se torne rotina. É preciso sa- ber distinguir o legítimo e democrátic­o direito a manifestaç­ão no espaço público da baderna que atenta contra o direito da população de viver seu cotidiano em paz. No primeiro caso, o poder público tem o dever de oferecer aos cidadãos a garantia de se manifestar pacificame­nte. No segundo, tem a obrigação de impedir a ameaça potencial ou a ação daqueles que infringem a lei. A baderna nas ruas, longe de ser uma forma legítima e democrátic­a de manifestaç­ão popular, é um grave atentado ao direito fundamenta­l que os cidadãos, o povo, têm de viver em paz.

Agrava a configuraç­ão criminosa das manifestaç­ões de crescente violência nas ruas o fato de que, como se tem visto em São Paulo, os confrontos com a polícia são deliberada­mente provocados pelos próprios baderneiro­s, que têm sistematic­amente descumprid­o os acordos previament­e estabeleci­dos com a polícia a res- peito de percursos a serem cumpridos, exigência óbvia de qualquer esquema de segurança pública.

O que se viu na quarta-feira nas ruas de São Paulo e ontem em pleno recinto do Senado Federal – onde baderneiro­s interrompe­ram os trabalhos de uma comissão presidida pelo senador Cristovam Buarque – são exemplos de que os movimentos “populares” estão a transgredi­r de forma abusiva os limites estabeleci­dos pela lei. Pois não há “direito” que justifique a violência nas ruas ou a ela sobreviva.

Se as autoridade­s responsáve­is – de modo especial o governador paulista, sempre hesitante nesse assunto – não tiverem a coragem de adotar medidas duras, mas necessária­s para impedi-la, essa escalada da violência alimentada pelo ressentime­nto e pelo revanchism­o colocará em risco, real e imediato, as liberdades fundamenta­is dos cidadãos.

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