O Estado de S. Paulo

A Justiça e as multas abusivas

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Depois de várias derrotas nas Câmaras de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que classifica­ram como confisco as alíquotas das multas que têm sido aplicadas pela Secretaria da Fazenda, superando em alguns casos mais de 600% o valor de impostos não recolhidos pelos contribuin­tes, o governo estadual finalmente decidiu revisar parte da legislação tributária. Entre a possibilid­ade de novas derrotas judiciais e a certeza da entrada em caixa de multas com alíquotas menores, num período de queda de arrecadaçã­o do ICMS, as autoridade­s fazendária­s não quiseram correr riscos.

Tomadas pela 1.ª e pela 8.ª Câmaras de Direito Público da corte, as duas últimas decisões contiveram de forma exemplar a sanha arrecadado­ra das autoridade­s fazendária­s. Em sua defesa, o governo estadual alegou que, em São Paulo, as multas costumam ser altas porque o regulament­o do ICMS prevê uma porcentage­m correspond­ente ao valor da operação e não sobre o imposto devido. Os desembarga­dores das duas Câmaras refutaram o argumento, lembrando que essa forma de cálculo da multa e dos juros de mora, além de pôr em risco a situação financeira de muitas empresas, é injusta, descomedid­a e arbitrária, colidindo frontalmen­te com os princí- pios da proporcion­alidade e da razoabilid­ade previstos pela Constituiç­ão em matéria de sanções penais e pecuniária­s.

No caso julgado pela 1.ª Câmara de Direito Público do TJSP, o débito de ICMS cobrado de um contribuin­te – que havia aderido ao Programa Especial de Parcelamen­to do governo – era de R$ 89 mil e as multas aplicadas totalizava­m mais de R$ 300 mil. Alegando que as sanções pecuniária­s não podem ultrapassa­r o valor do imposto, os desembarga­dores não apenas exigiram que elas fossem recalculad­as, como também obrigaram a Secretaria da Fazenda a reduzir os juros de mora ao patamar da taxa referencia­l do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic).

No caso julgado pela 8.ª Câmara do TJSP, que envolvia uma empresa do setor automotivo autuada por transporta­r mercadoria­s com notas fiscais sem data de emissão de saída, os valores das multas e dos juros eram quatro vezes superiores ao valor do débito sonegado e os desembarga­dores exigiram que eles fossem reduzidos ao patamar de 50% da base de cálculo do tributo cobrado. “As multas têm de cumprir sua função de desencoraj­ar a elisão fiscal. Ao mesmo tempo, contudo, não podem ser aplicadas em valores que lhes confiram caracterís­ticas confiscató­rias, o que até inviabiliz­aria o recolhimen­to de futuros tributos”, afirmou o relator, desembarga­dor An- tonio Celso Faria.

Diante desses resultados, a Secretaria da Fazenda e a Procurador­ia-Geral do Estado começaram a discutir um projeto de revisão das formas de cálculo dos juros e das sanções pecuniária­s. Para evitar o desgaste político decorrente das derrotas judiciais, as autoridade­s fazendária­s alegam que a iniciativa se insere no âmbito do programa “Litigar menos e melhor”, que foi lançado em novembro do ano passado pelo governo estadual. Justificat­ivas à parte, a readequaçã­o, como informa o jornal Valor, será feita com base nas determinaç­ões que o TJSP vem i mpondo: mul t a s d e 100% no máximo, ou seja, sem ultrapassa­r o montante do imposto devido, para evitar que sejam caracteriz­adas como confisco.

O enquadrame­nto das normas fazendária­s paulistas aos critérios da Justiça não poderia vir em melhor hora. Por causa da crise fiscal, tanto a União como Estados têm exorbitado, estabelece­ndo multas que começam em 75% e chegam a 225% caso o contribuin­te crie “dificuldad­es à fiscalizaç­ão”. As decisões do TJSP deixam claro que, por mais que os governos estaduais e federal precisem aumentar a arrecadaçã­o para equilibrar suas contas, no Estado de Direito as autoridade­s não podem desprezar a Constituiç­ão nem basear seu relacionam­ento com os contribuin­tes no arbítrio e na força.

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