Nasce um astro
Estava decidido a não carregar nas tintas, na análise do primeiro jogo da seleção sob o comando de Tite. Nem para o bem tampouco para o mal. Por ser estreia, em Eliminatórias e com tão pouco tempo de preparação, o bom senso indicava parcimônia em relação ao trabalho do técnico, em caso de tropeço ou mesmo com vitória.
Pois bem, fica mantida a postura comedida no que se refere ao professor, embora o resultado tenha superado cálculos mais otimistas. Registrem-se os parabéns pelos 3 a 0 logo de cara e a melhora no astral geral. E há empolgação maior para pegar a Colômbia, terça-feira, em Manaus.
Mas às favas com a prudência na hora de falar de Gabriel Jesus. Não é necessário nem embarcar na onda de trocadilhos fúteis e óbvios com o nome para exaltar a atuação do rapaz. A camisa 9, que já adornou a competência de monstros como Vavá, Coutinho, Careca, Tostão, Ronaldo, lhe caiu com leveza, como se a usasse há muito tempo. Como veterano. Não pesou nada nas costas ainda franzinas de moço recémsaído da adolescência. Pareceu-lhe moldada à perfeição, o número exato.
Gabriel passou em branco na primeira fase, como o restante do time, por aplicar-se à estratégia definida pelo treinador. Ou seja, sem esquecer que a missão principal era a de atazanar a vi- da dos zagueiros, tomou o cuidado de ajudar na marcação. Função à qual está acostumado na rotina do Palmeiras.
Na segunda parte, o time percebeu que seria possível voltar para casa com mais do que um ponto e se soltou. Des- pontou, então, o talento de Gabriel Jesus. Detalhe que demoliu o rival e desatou o nó d0 0 a 0. No primeiro vacilo, avolumou-se na frente de Dominguez, que só pôde cometer o pênalti. Como novato na turma, deixou para Neymar, parceiro e mentor, a tarefa de cobrar.
Dali em diante, Gabriel se comportou como se estivesse no Sub-20 palestrino e ignorou a pompa de jogo classificatório para a Copa. No segundo gol, tocou de forma marota na bola, para enganar o infortunado goleiro. O terceiro fechou a conta e estampou o carimbo de “aprovado!” no desafio a que foi submetido após o ouro olímpico.
Sei, sei, Gabriel é mocinho, surgiu dias atrás, a história do futebol transborda de exemplos de candidatos a ídolo que se perderam no caminho. Verdade. Como a história do futebol também despeja episódios de projetos de craque que se confirmaram. Por que imaginar Gabriel no primeiro bloco e não no segundo? Prefiro incluí-lo na lista dos que têm muito a mostrar, e não vão negar fogo quando necessário.
Gabriel Jesus teve desempenho de honrar a tradição esportiva de goleadores como Reinaldo, César Maluco, Casagrande, Evair, Toninho Guerreiro, Roberto Dinamite, Romário. Cruzo os dedos para que mantenha o norte, enquanto permanecer no Palmeiras e quando for para o Manchester City. Ele tem tudo para marcar trajetória – tomara longa – com a amarelinha.
Mas Gabriel Jesus não esteve em campo sozinho, não se destacou por passe de mágica. O crescimento dele foi consequência de comportamento coletivo louvável. O Brasil encorpou com Tite. Se não foi brilhante, esteve longe de decepcionar. Só o fato de não atuar como um bando de boleiros, tão comum na administração anterior, já teria valido a pena. No entanto, foi além do trivial.
Um dos aspectos positivos: parou de rifar a bola. Não ocorreram episódios frequentes de chutões da defesa para o ataque, indícios tão comuns de intranquilidade ou de falta de repertório. Zagueiros e a turma do meio de campo trocaram passes. Os dois da frente (Neymar e Gabriel) entregaram-se a vaivém constante. O sistema defensivo não ficou exposto, e isso tem cara de Tite.
A aposta na experiência de Daniel Alves, Marcelo, Miranda, Paulinho (discreto) e Renato Augusto (um dos melhores) valeu a pena. Tite precisa largar com o pé direito e conseguiu. Agora, resta apostar em crescimento, à medida que etapas forem sendo superados. Dá para ter esperança, sem ceder à euforia fácil.
Se mantiver a cabeça no lugar, como até agora, Gabriel Jesus pode marcar época na seleção