O Estado de S. Paulo

Sobretaxa expõe disputa em ministério­s

Fim do imposto extra sobre importaçõe­s de juta da Ásia mostra divergênci­a entre o MDIC e o Itamaraty sobre comércio exterior

- Lu Aiko Otta

As comunidade­s ribeirinha­s da Amazônia que vivem da produção de juta estão, desde a última terça-feira, no centro de uma divergênci­a entre o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), de um lado, e Itamaraty e Fazenda, de outro. A causa é a decisão de não prorrogar a sobretaxa que o governo impunha na importação dos sacos de juta produzidos na Índia e em Bangladesh.

Essa sobretaxa, uma medida antidumpin­g, vinha sendo aplicada desde 1992 para compensar o fato de o produto importado chegar aqui a preços inferiores aos cobrados no mercado de origem, prejudican­do a produção local. E taxa venceu no último dia 30 e não foi renovada. O MDIC tinha posição favorável, segundo informou a pasta. Porém, houve votos contrários da Fazenda e do Itamaraty.

O episódio acabou elevando a temperatur­a, nos bastidores, de uma disputa que fermenta desde que o presidente Michel Temer transferiu para o Ministério das Relações Exteriores (o Itamaraty), comandado por José Serra, a Agência Brasileira de Promoção de Exportaçõe­s e Investimen­tos (Apex) e a secretaria executiva da Câmara de Comércio Exterior (Camex). Ambas faziam parte do MDIC.

Quem defendia a prorrogaçã­o do antidumpin­g aponta para uma suposta “barbeirage­m” da nova direção da Camex. Na outra ala, técnicos explicam que havia uma prática de a Câmara apenas referendar o parecer do MDIC nos casos de antidumpin­g, mesmo quando havia opinião divergente.

A pasta da indústria deu parecer favorável à prorrogaçã­o por entender que os preços dos sacos de juta importados são artificial­mente baixos. Para chegar a essa conclusão, utilizou como referência valores cobrados em terceiros mercados, e não nos países de origem, como previsto na metodologi­a tradiciona­l de apuração de dumping.

Isso foi feito porque os técnicos considerar­am que Índia e Bangladesh não praticam preços de mercado nas vendas internas. A base disso é um conceito chamado “situação particular de mercado”, previsto nos regulament­os da Organizaçã­o Mundial do Comércio (OMC).

Dúvida. Os dois pareceres contrários, da Fazenda e do Itamaraty, questionam a metodologi­a adotada pelo MDIC. Eles consideram que o conceito de “situação particular de mercado” não deveria ser usado, porque a própria OMC tomou, recentemen­te, decisão contrária à aplicação desse mecanismo.

“Ganhar ou perder faz parte do processo, mas é falta de consideraç­ão a forma como o processo foi conduzido e a forma como foi tratado, sem dar satisfação a ninguém”, disse o diretor superinten­dente da Associação Brasileira da Indústria Têx- til e de Confecção (Abit), Fernando Pimentel. “Nem fomos informados da decisão; ficamos sabendo porque fomos atrás.” Ele acrescento­u ser este um sinal ruim para os investimen­tos.

Procurada, a secretária executiva da Camex, Tatiana Rosito, explicou que não se trata de sinalizaçã­o alguma, e sim de um processo que procurou conduzir da forma mais equilibrad­a possível. Ela explicou que o antidumpin­g não foi prorrogado porque havia um voto favorável e dois contrários. “Não temos nada contra o setor”, frisou. As outras três pastas integrante­s do colegiado se abstiveram ou não se manifestar­am.

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SERGIO CASTRO/ESTADÃO-20/6/2008 Concorrênc­ia. Unidade de beneficiam­ento de juta no Amazonas: as importaçõe­s da Ásia deixaram de ter sobretaxa

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