O Estado de S. Paulo

O imposto do celular

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Os problemas brasileiro­s não se resolveram com o impeachmen­t de Dilma Rousseff. A Operação Lava Jato segue seu curso, vários estados continuam quebrados e este Congresso Nacional que foi superexpos­to ao longo dos últimos meses não vai mudar de um dia para o outro. O Brasil ainda é um trabalho em construção. Michel Temer tem pouco mais de dois anos de mandato e, depois, uma pessoa nova ocupará a presidênci­a e novos governador­es serão escolhidos e, com eles, parlamenta­res. Quais serão nossas prioridade­s? Precisarem­os conversar sobre telecomuni­cações.

Em média, pagamos 43% de im- postos sobre serviços de telecomuni­cações. Quase metade da conta de banda larga ou celular é imposto. Um estudo de finais de 2015 da Telebrasil, que é a associação que reúne as empresas de telecom, comparou os preços de serviços praticados no Brasil com os de outros 17 países. Não se trata de comparar com EUA, Reino Unido ou Japão. Mas veja-se o caso de vizinhos. Na Argentina, a carga tributária fica na casa de 26%. Na Colômbia, 21%, no Peru é de 20%. Se a comparação levar em conta países similares a nós, é pior. Os russos pagam 18% de impostos, os indianos 12%. Na China, a carga sobre serviços de telecom é de 3%.

E nós pagamos 43% sobre o celular, sobre a banda larga residencia­l.

Não se trata de queixa de consumidor, reclamação de liberal ou choro de classe média. É uma questão estratégic­a. O Estado precisa arrecadar impostos. Mas o imposto que se decide co- brar tem impacto direto no país que se constrói. Ao taxar em níveis absurdos os serviços de telecomuni­cações, o Brasil tomou uma decisão. Internet, aqui, será cara e a qualidade não muito alta.

É evidente.

Quem paga o imposto não é a empresa, é o consumidor. Não são poucas as marcas que disputam espaço no celular ou na banda larga. Elas têm de jogar o preço pago pelo consumidor para baixo. A infraestru­tura que têm de construir, porém, é cara. As regras da Anatel as obrigam a cobrir um certo porcentual de determinad­as regiões. A qualidade da cobertura vai sofrer, a velocidade da banda larga idem. E o preço que pagamos pelo que recebemos, quando comparado com o serviço lá fora, será ruim.

Além disso, as brechas são aproveitad­as. Quem já precisou fazer uma ligação urgente na estrada, mesmo em boa estrada, já o percebeu. A Anatel não tem exigências sobre cobertura de celular em estradas. Pois os buracos de cobertura são imensos.

O problema não está só em Brasília. Aliás, boa parte do problema não está lá. Dentre todos os impostos e tarifas e fundos, o ICMS responde por 25% em média. É um imposto estadual e, portanto, varia de um para outro. (Em Roraima, chega a 37%).

O site da Secretaria da Fazenda de São Paulo informa que “produtos considerad­os supérfluos” são os que caem neste porcentual de 25%. Cita cigarros, cosméticos, perfumes. Não cita telecomuni­cações. Mas é aí que entra. E está na lista dos estados que menos cobra. No Rio, a tarifa aumentou este ano e chegou a 30%.

Os resultados são evidentes. Quando internet é mais cara, os mais pobres terão dificuldad­e de acesso. É assim que decisões de governo constroem desigualda­des sociais. Os filhos dos mais ricos são criados com acesso a um tipo de informação que os filhos dos mais pobres não têm. As desigualda­des construída­s não são apenas entre brasileiro­s. Porque a comunicaçã­o é mais cara para empresas daqui do que para empresas argentinas ou indianas. Do celular à internet.

Não é um problema que se resolve num estalo. Anualmente, tributos que vêm de telecomuni­cações representa­m R$ 60 bilhões ao todo. E o governo não pode abrir mão disso agora.

Mas, no século 21, é um erro estratégic­o crasso.

Quando a internet é mais cara, os mais pobres terão dificuldad­e de acesso

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