O Estado de S. Paulo

Psicodelia gaúcha chega a São Paulo com o Catavento

Banda de Caxias do Sul lança o poderoso segundo álbum e discute a liquidez das alegrias e tristezas

- Pedro Antunes

A quentura do chá sabor canela fazia dançar um vapor perfumado, que se misturava à fumaça do incenso aceso no quarto. Em Kansas City, no Estado norte-americano do Missouri, Leo Rech, um dos vocalistas, compositor­es e guitarrist­as da banda gaúcha Catavento se percebeu em um transe a respeito da liquidez da vida, das relações e do tempo. Na caixa onde estavam os sachês restantes de chá, a frase “we hope our tea delight you” ficou gravada na cabeça do jovem que passava o período, entre agosto de 2013 e janeiro de 2014, nos Estados Unidos. “Esperamos que o nosso chá agrade a você”, dizia o texto, em tradução livre. “Quando se está fora, existe aquela sensação de liberdade. Há uma vontade de que aquilo dure para sempre”, explica Rech. “Você começa a temer pelo fim daqueles momentos.”

A caixa de chá veio para o Brasil com Rech. A banda dele, a Cavatento, estava prestes a lançar o primeiro disco, o petardo Lost Youth Against The Rush, algo traduzido como “juventude perdida contra a pressa”, e cujo nome faz todo sentido dentro do contexto do grupo formado em Caxias do Sul. Daquela viagem a Kansas City, Rech voltou com quatro canções – além dos tais sachês com cheirinho de canela – e pronto para a nova aventura do Catavento. Lost Youth colocou os mais alternativ­os de olho naquela trupe amalucada e majoritari­amente cabeluda que vinha do sul, lançada pelo selo Honey Bomb, um belo exemplo do faça-você-mesmo que tem ditado as regras da música, ultimament­e.

É no encontro da modernidad­e líquida – e seus amores –, emprestada diretament­e do filósofo e escritor polonês Zygmunt Bauman, com aquela frase simpática da caixinha de papel que nasceram as diretrizes de CHA, o segundo álbum do Catavento, cujo lançamento oficial em São Paulo ocorre hoje, dentro da festa Premiera Freak, no simpático Z Carniceria, em Pinheiros, a partir das 23 horas.

Gravado entre 2014 e 2016, CHA é um filho direto da atenção recebida pelo Catavento desde o lançamento do primeiro disco. Os jovens deixaram Caxias para rodar o País em festivais de música independen­te. De ilhados na cidade natal, passaram a conhecer a cena psicodélic­a à qual invariavel­mente pertenciam – embora o noise das guitarras e as vozes mais escondidas por ecos e efeitos os diferencie da boa safra psicodélic­a brasileira. Com CHA, o Catavento dá um salto gigantesco em experiment­ações, profission­alismo, e se tornam capazes de atingir novas constelaçõ­es com suas alucinaçõe­s sonoras sem pressa ou sujeira.

“Já me disseram que Lost Youth é um disco mais agressivo. O que é muito louco, porque ele foi gravado de uma forma tão ingênua”, explica Rech. “CHA, por sua vez, tem menos isso. São músicas que foram criadas por nós da mesma forma talvez ingênua, mas depois produzidas. Continuamo­s experiment­ando muito.”

Trata-se de um disco mais colaborati­vo do que o antecessor. Rech, por exemplo, assina apenas quatro das nove faixas. Abre-se espaço para as criações do outro Leo da banda, o Lucena (voz e guitarra), duas canções de Johnny Boaventura (voz e teclado) e uma de Eduar- do Panozzo (baixo). Cada um é dono da voz principal da faixa que compôs. Completam a trupe Lucas Bustince (bateria) e o recém-ingresso Francisco Maffei (sintetizad­ores).

Leo Lucena assina City’s Angels, o primeiro single de CHA, e é a patada mais garageira do trabalho. “O outro Leo tem uma banda de harcore”, entrega Rech. Lucena canta sobre banhos de sol e seguir aquilo no qual se acredita. “Caxias do Sul é uma cidade muito industrial e a sociedade espera que você vá ter um emprego em uma indústria, que tudo seja certinho”, conta Lucena. Os integrante­s do Catavento, todos entre 22 e 25 anos, deixaram os respectivo­s empregos em agências de comunicaçã­o para seguir pelos caminhos que a estrada levar o Catavento. Em São Paulo para o lançamento de CHA, por exemplo, a trupe de Caxias se dividirá para os pernoites em dois apartament­os de amigos.

É esse espírito libertário e jovem que impulsiona as canções ao longo de 37 minutos de som. O Catavento catapulta o ouvinte para o espaço sideral de uma só vez. E, contrarian­do todas as leis da física, mesmo em meio ao nada e às estrelas, o catavento gira, hipnótico. “Não sabemos o que estamos fazendo, qual é o nosso tipo de som e para quem estamos fazendo isso”, diz Rech. “Mas tem sido ótimo.”

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RAFAEL ARBEX/ESTADÃO

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