Janot defende a liberação do aborto para os casos de gestantes com zika
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF) parecer favorável à possibilidade de aborto em casos de grávidas contaminadas pelo vírus da zika. Além de liberar a interrupção da gravidez nessa situação, o documento propõe a realização de audiência pública para debater o tema e solicita ao governo federal uma proposta de reformulação do plano de combate ao vírus no País.
A argumentação foi apresentada no âmbito da ação movida pela Associação Nacional de Defensores Públicos (Anadep), que pede esse direito para mulheres infectadas pela doença. A posição da PGR diverge da Advocacia-Geral da União. Para a AGU, a interrupção da gestação “seria frontalmente violadora ao direito à vida ( mais informações nesta página).
No caso proposto, a PGR aponta que a manutenção da gravidez é um risco para a saúde psíquica da mulher. “Tem razão a requerente quanto à inconstitucionalidade da criminalização do aborto em caso de infecção pelo vírus zika. A continuidade forçada de gestação em que há certeza de infecção representa risco certo à saúde psíquica da mulher. Ocorre violação do direito fundamental à saúde mental e à garantia constitucional de vida livre de tortura e agravos severos”, diz Janot.
Ele ainda diz que “deve ser reconhecida a existência de causa de justificação genérica de estado de necessidade, cabendo às redes pública e privada realizar o procedimento ( o aborto), nessas situações”.
Para Janot, “a falta de serviços obstetrícios emergenciais ou a negação da realização de aborto levam, frequentemente, à mortalidade e à morbidade maternas, o que, por sua vez, constitui violação do direito à vida ou à segurança e, em certas circunstâncias, pode equivaler a tortura ou a tratamento desu- mano, cruel ou degradante”. Ainda no entendimento do procurador-geral, trata-se de epidemia em que as consequências mais trágicas até aqui conhecidas envolvem a reprodução humana e são as mulheres os indivíduos primeiramente atingidos. “Elas é que sofrem, antes mesmo que exista uma criança com deficiência à espera de cuidado.”
Janot lembrou o julgamento do STF em 2012 sobre o aborto em casos de anencefalia (anomalia congênita que afeta o cérebro). “Embora o julgamento se tenha restringido ao caso de interrupção da gravidez ante diagnóstico de anencefalia, o Supremo reconheceu que a imposição da gravidez pode ser forma de tortura das mulheres, em alguns casos.”
Além da possibilidade do aborto, a Anadep solicita que o STF obrigue o poder público a garantir acesso a informação e formas de prevenção sobre zika e a planejamento familiar, incluindo métodos contraceptivos. Cobra-se ainda acesso a serviços de saúde para atendimento integral de todas as crianças com deficiência associada ao zika.
Casos. Segundo o boletim epidemiológico mais recente do Ministério da Saúde, considerando os casos até 8 de julho de 2016, foram registrados 174.003 relatos prováveis de infecção pelo zika no País – 78.421 confirmados. Em relação à microcefalia, os dados são mais recentes: até 20 de agosto, 9.091 casos foram notificados – desses, 2.968 (32,6%) permanecem em investigação e 6.123 foram investigados e classificados, sendo 1.845 confirmados para microcefalia e/ou alteração do Sistema Nervoso Central (SNC), sugestivos de infecção congênita por zika.
Atualmente, por lei, a interrupção da gravidez no Brasil é permitida só em casos em que a gestante corre risco, em gestação decorrente de estupro e em situações comprovadas de anencefalia. A discussão tem contornos internacionais, uma vez que na Europa grávidas já abortaram por infecção pelo ví- rus – na Eslovênia e na Espanha, por exemplo. Em fevereiro, após a determinação de emergência internacional pela Organização Mundial da Saúde, o alto-comissário de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), Zeid Ra’ad Al Hussein, afirmou que países com surto do vírus deviam autorizar o direito ao aborto em casos de infecção em gestantes.
Ainda não há data prevista para o julgamento do caso no Supremo. Além disso, tanto a procuradoria quanto a AdvocaciaGeral afirmam que a Anadep não tem legitimidade para propor uma Ação Direta de Inconstitucionalidade. Por causa dessa questão técnica, talvez a discussão de fundo sobre a interrupção da gravidez não seja analisada. O Estado não conseguiu contato ontem com a Anadep.