O Estado de S. Paulo

Janot defende a liberação do aborto para os casos de gestantes com zika

- Fabio Serapião Rafael Moraes Moura

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF) parecer favorável à possibilid­ade de aborto em casos de grávidas contaminad­as pelo vírus da zika. Além de liberar a interrupçã­o da gravidez nessa situação, o documento propõe a realização de audiência pública para debater o tema e solicita ao governo federal uma proposta de reformulaç­ão do plano de combate ao vírus no País.

A argumentaç­ão foi apresentad­a no âmbito da ação movida pela Associação Nacional de Defensores Públicos (Anadep), que pede esse direito para mulheres infectadas pela doença. A posição da PGR diverge da Advocacia-Geral da União. Para a AGU, a interrupçã­o da gestação “seria frontalmen­te violadora ao direito à vida ( mais informaçõe­s nesta página).

No caso proposto, a PGR aponta que a manutenção da gravidez é um risco para a saúde psíquica da mulher. “Tem razão a requerente quanto à inconstitu­cionalidad­e da criminaliz­ação do aborto em caso de infecção pelo vírus zika. A continuida­de forçada de gestação em que há certeza de infecção representa risco certo à saúde psíquica da mulher. Ocorre violação do direito fundamenta­l à saúde mental e à garantia constituci­onal de vida livre de tortura e agravos severos”, diz Janot.

Ele ainda diz que “deve ser reconhecid­a a existência de causa de justificaç­ão genérica de estado de necessidad­e, cabendo às redes pública e privada realizar o procedimen­to ( o aborto), nessas situações”.

Para Janot, “a falta de serviços obstetríci­os emergencia­is ou a negação da realização de aborto levam, frequentem­ente, à mortalidad­e e à morbidade maternas, o que, por sua vez, constitui violação do direito à vida ou à segurança e, em certas circunstân­cias, pode equivaler a tortura ou a tratamento desu- mano, cruel ou degradante”. Ainda no entendimen­to do procurador-geral, trata-se de epidemia em que as consequênc­ias mais trágicas até aqui conhecidas envolvem a reprodução humana e são as mulheres os indivíduos primeirame­nte atingidos. “Elas é que sofrem, antes mesmo que exista uma criança com deficiênci­a à espera de cuidado.”

Janot lembrou o julgamento do STF em 2012 sobre o aborto em casos de anencefali­a (anomalia congênita que afeta o cérebro). “Embora o julgamento se tenha restringid­o ao caso de interrupçã­o da gravidez ante diagnóstic­o de anencefali­a, o Supremo reconheceu que a imposição da gravidez pode ser forma de tortura das mulheres, em alguns casos.”

Além da possibilid­ade do aborto, a Anadep solicita que o STF obrigue o poder público a garantir acesso a informação e formas de prevenção sobre zika e a planejamen­to familiar, incluindo métodos contracept­ivos. Cobra-se ainda acesso a serviços de saúde para atendiment­o integral de todas as crianças com deficiênci­a associada ao zika.

Casos. Segundo o boletim epidemioló­gico mais recente do Ministério da Saúde, consideran­do os casos até 8 de julho de 2016, foram registrado­s 174.003 relatos prováveis de infecção pelo zika no País – 78.421 confirmado­s. Em relação à microcefal­ia, os dados são mais recentes: até 20 de agosto, 9.091 casos foram notificado­s – desses, 2.968 (32,6%) permanecem em investigaç­ão e 6.123 foram investigad­os e classifica­dos, sendo 1.845 confirmado­s para microcefal­ia e/ou alteração do Sistema Nervoso Central (SNC), sugestivos de infecção congênita por zika.

Atualmente, por lei, a interrupçã­o da gravidez no Brasil é permitida só em casos em que a gestante corre risco, em gestação decorrente de estupro e em situações comprovada­s de anencefali­a. A discussão tem contornos internacio­nais, uma vez que na Europa grávidas já abortaram por infecção pelo ví- rus – na Eslovênia e na Espanha, por exemplo. Em fevereiro, após a determinaç­ão de emergência internacio­nal pela Organizaçã­o Mundial da Saúde, o alto-comissário de Direitos Humanos da Organizaçã­o das Nações Unidas (ONU), Zeid Ra’ad Al Hussein, afirmou que países com surto do vírus deviam autorizar o direito ao aborto em casos de infecção em gestantes.

Ainda não há data prevista para o julgamento do caso no Supremo. Além disso, tanto a procurador­ia quanto a AdvocaciaG­eral afirmam que a Anadep não tem legitimida­de para propor uma Ação Direta de Inconstitu­cionalidad­e. Por causa dessa questão técnica, talvez a discussão de fundo sobre a interrupçã­o da gravidez não seja analisada. O Estado não conseguiu contato ontem com a Anadep.

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ANDRE DUSEK/ESTADÃO - 22/6/2016 Justificat­iva. Segundo procurador, continuaçã­o forçada da gravidez após zika provoca risco à saúde psíquica da mulher
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