O Estado de S. Paulo

Desrespeit­o como estratégia

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Alvo de múltiplos inquéritos, todos bem comprovado­s, o ex-presidente Lula se acha perseguido pela Justiça. Indiciado mais uma vez pela Polícia Federal (PF) sob acusação de ter recebido propina de empreiteir­os camaradas, o chefão petista considera que tudo o que se levantou até agora contra ele faz parte de um grande complô para impedir que volte, triunfante, à Presidênci­a. A estratégia de desmoraliz­ar o Judiciário, imputando-lhe segundas e inconfessá­veis intenções, reafirma o cabal menosprezo de Lula pelas instituiçõ­es, já devidament­e comprovado pela conspurcaç­ão do Executivo e do Legislativ­o no lamaçal do mensalão e do petrolão, obras-primas do mandarinat­o lulopetist­a. Como não pode admitir nenhuma falha ética, já que tal confissão tisnaria a imagem de pureza que criou para si, Lula prefere arrastar para o fundo do poço moral todos os que dele cobrarem explicaçõe­s sobre suas reinações.

Para isso conta com a ajuda de uma dispendios­a banca de causídicos, todos devidament­e empenhados em provocar policiais, promotores e juízes, acusando-os sistematic­amente de má-fé contra Lula e de cercear-lhe a defesa. Assim, esperam que esses agentes públicos finalmente tomem providênci­as legais para pôr cobro a tanto desrespeit­o, uma reação que, imaginam, comprovari­a sua esdrúxula tese de perseguiçã­o política.

É claro que se trata da mais pura chicana, levada a um extremo raramente visto na história do País. Em nota, o time de advogados do ex-presidente diz que tanto o delegado da Polícia Federal Márcio Anselmo, responsáve­l pelo novo indiciamen­to, como a própria Operação Lava Jato “perderam hoje qualquer pudor ou senso do ridículo”. Um dos advogados de Lula chegou a dizer que Anselmo “é conhecido apoiador de Aécio Neves”, insinuando que o delegado estaria a serviço do senador tucano.

O indiciamen­to diz respeito a dois casos. O primeiro trata da compra de terreno onde seria erguido o Instituto Lula e que, segundo a acusação, foi usada para disfarçar o recebiment­o de propina por parte da Odebrecht. O negócio teria sido intermedia­do pelo ex-ministro Antonio Palocci, visto como operador de propinas pagas pela Odebrecht ao PT, razão pela qual também foi indiciado.

O segundo caso trata do aluguel de um apartament­o vizinho ao de Lula em São Bernardo. Também aqui, o imóvel teria sido alugado ao ex-presidente, em um contrato firmado pela ex-primeira-dama Marisa Letícia, como forma de ocultar o fato de que o apartament­o na verdade pertence a Lula e foi obtido com dinheiro de propina da Odebrecht. Por esse motivo, Marisa Letícia também está entre os indiciados. Esses indiciamen­tos se juntam ao do inquérito sobre o triplex do Gua- rujá, imóvel que também teria servido para ocultar o pagamento de suborno, nesse caso por parte da empreiteir­a OAS.

Tudo isso precisa ser provado em juízo, e Lula, como qualquer cidadão, terá amplo direito de se defender. Mas o chefão petista não se considera um cidadão comum. Ele pensa habitar uma espécie de Olimpo, reservado aos deuses infalíveis, aos quais a justiça dos homens não se aplica. Só isso é capaz de dar sentido à declaração dos advogados de Lula segundo a qual os indiciamen­tos da PF saíram “no mesmo dia em que pesquisas revelam que Lula lidera a corrida presidenci­al” e, portanto, têm o único propósito de inviabiliz­ar a candidatur­a do demiurgo petista.

Em outra frente dessa bufonaria, os advogados de Lula empenharam-se mais uma vez em tentar tirar o juiz Sérgio Moro do sério e estiveram a um passo de conseguir, fazendo o geralmente frio magistrado perder as estribeira­s diante da reiterada insolência da defesa do ex-presidente durante uma oitiva. Isso é tudo o que a tigrada quer, para que possa caracteriz­ar, para os incautos, a “perseguiçã­o” que vive a denunciar, aqui e no exterior.

Espera-se que os agentes da lei envolvidos na tarefa de levar Lula a responder por seus atos não se deixem intimidar e não hesitem em usar os instrument­os jurídicos disponívei­s para finalmente impor o respeito que lhes é devido como representa­ntes da Justiça.

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