O Estado de S. Paulo

Civis são usados como moeda na Síria

Queda de braço entre governo de Bashar Assad e rebeldes impede remoção de moradores de Alepo; ONU admite ‘fracasso coletivo’

- Jamil Chade

Um impasse entre grupos rebeldes e o governo de Bashar Assad deixou cerca de 50 mil pessoas presas nos escombros da cidade de Alepo, na Síria, um dia após um acordo anunciado entre os combatente­s. Segundo depoimento de ativistas de direitos humanos e da ONU, as partes usam civis como moeda de troca na guerra que já deixou mais de 300 mil mortos.

Damasco alertou ontem que suspendia a retirada dos civis porque grupos ligados à Al-Qaeda haviam se recusado a liberar civis de cidades que haviam sitiado, em outras áreas do país.

Segundo mediadores da ONU relataram ao Estado, o centro do impasse era a recusa do grupo armado Jabhat Fateh al-Sham de permitir que moradores das cidades de Fua e Kefraya fossem liberados. As duas cidades xiitas estão cercadas pelos extremista­s. A falta de acordo deixou aberta a possibilid­ade de que os combates fossem retomados em Alepo, mesmo após o governo de Assad, o Irã e os russos terem declarado vitória. Segundo a Organizaçã­o Mundial da Saúde, até a manhã de ontem, cerca de 6 mil pessoas haviam sido retiradas de Alepo em dois dias. O número estimado poderia chegar a 50 mil.

Os rebeldes têm outra versão sobre o impasse e acusam o governo de ter obstruído a saída da população de Alepo. Segundo os grupos de oposição, 25 carros que levariam os civis foram sequestrad­os. A oposição tam- Operações dear armas que ainda estavam dentro de Alepo para Idlib, cidade mantida pelos rebeldes.

Desespero. Enquanto grupos não chegavam a um acordo, mensagens enviadas pelas redes sociais por moradores ainda presos na cidade mostravam ruas repletas de famílias aguardando no frio por um resgate. Ativistas mostravam como crianças estavam “desesperad­as e famintas”, enquanto muitos estavam exaustos.

Segundo observador­es da ONU, no entanto, nem mesmo um acordo para esvaziar a cidade significar­ia o fim da guerra. Muitos moradores seriam enviados, segundo as Nações Unidas, para Idlib, cidade que já está sob ataque de sírios e russos. Para evitar um novo massacre, o governo turco indicou que poderia construir novos campos de refugiados, para cerca de 80 mil pessoas.

Para isso, a Rússia promete lançar uma nova negociação de paz que, envolvendo a Turquia, poderia ser organizada no final de dezembro. O presidente russo, Vladimir Putin, nega que o processo seja uma concorrênc­ia com a mediação proposta pela ONU desde 2012 em Genebra – diálogo que já fracassou em quatro ocasiões. Ontem, mesmo com 50 mil pessoas ainda em Alepo, Putin chegou a anunciar que a remoção havia sido concluída e o próximo passo seria um cessar-fogo nacional.

Riyad Hijab, líder da oposição moderada, afirmou que estaria disposto a negociar com os russos nesse novo formato. Mas insistiu que Assad precisa deixar o poder, como parte de uma solução política para a guerra. À reportagem, diplomatas sírios na ONU voltaram a confirmar ontem que o presidente não tem “a menor intenção” de deixar o poder, principalm­ente depois de retomar Alepo.

 ?? BULENT KILIC/ AFP ??
BULENT KILIC/ AFP

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil