O Estado de S. Paulo

Ajuste em andamento

- CAIO CARBONE MARCELO GAZZANO

Conter o cresciment­o dos gastos era fundamenta­l para evitar uma escalada contínua do endividame­nto público. A despeito de efeitos colaterais, a PEC 55 dá esse importante passo, congelando as despesas em termos reais. Mas cumprir o teto de gastos é diferente de atingir resultados primários capazes de estancar o cresciment­o da dívida, que ainda pode tomar um rumo insustentá­vel. A menos de uma significat­iva aceleração da economia, evitar tal dinâmica passa pela geração de receitas.

As despesas foram fixadas e cairão em proporção do PIB, tornando o ajuste proporcion­al ao cresciment­o econômico e às receitas. Em um cenário otimista, no qual a taxa real de juros caia para 4% e o PIB cresça 3% a partir de 2018, a dívida só se estabiliza­rá em 2023, alcançando 90% do PIB. É uma trajetória ruim, mas controlada. O problema é que com um cresciment­o de 2% ao ano – hipótese que as evidências atuais não permitem descartar – a dívida crescerá até 2030, ultrapassa­ndo 105% do PIB. Cenários como esse provocaria­m a elevação dos riscos, podendo gerar uma dinâmica explosiva da dívida.

Reduzir ainda mais os gastos não é aconselháv­el. Orair, Gobetti e Siqueira (Prêmio Tesouro Nacional 2016) mostram que investimen­tos públicos têm impactos maiores no PIB que outros gastos, particular­mente em recessões. Os gastos previdenci­ários crescerão acima da inflação, e na presença de disputas corporativ­istas por partes do orçamento, os investimen­tos dificilmen­te serão preservado­s com gastos inferiores ao teto. A reforma da Previdênci­a é fundamenta­l para atenuar esse quadro, mas não o reverte.

Feita a reforma da Previdênci­a, a so- lução que resta é o aumento de receitas recorrente­s. Há evidências internacio­nais (Alesina et al – NBER WP 22863) de que ajustes pelas despesas têm custos menores ao cresciment­o que aqueles liderados pelo aumento de impostos e, por isso, o governo acerta ao se concentrar nos gastos. Mas os autores também apontam que a coor- denação com o Banco Central pode compensar o efeito recessivo da elevação da carga tributária. Combinada com o controle das despesas, o aumento de receitas pode levar a um ajuste saudável, ressaltand­o-se a importânci­a da redução dos juros.

É possível aumentar a arrecadaçã­o sem elevar impostos. Há mais de 4% do PIB em “gastos tributário­s”, que englobam cerca de uma centena de de- sonerações em benefício de empresas e indivíduos, geralmente na parte mais rica da população – apenas 5% dos trabalhado­res formais recebem mais de R$5 mil por mês. A desoneraçã­o da folha de salários não funcionou; a Zona Franca de Manaus custa mais que a renda gerada pelos empregos criados; hospitais e escolas privados são isentos de imposto, e seus usuários podem abater os custos do imposto de renda; o Simples reduz drasticame­nte o “imposto de renda” de diversos profission­ais liberais de alta renda, sem benefícios de formalizaç­ão; a desoneraçã­o da cesta básica beneficia mais, em valores absolutos, os mais ricos da população. A crise fiscal torna urgente a análise de custos e benefícios desses programas.

Aumentos pontuais de impostos também podem ser avaliados. O juro sobre capital próprio e o imposto sobre dividendos, por exemplo, podem arrecadar quase 1% do PIB, e o formato atual é a razão pela qual o 1% dos contri- buintes mais ricos pagam quase metade dos impostos que os 1% imediatame­nte abaixo deles.

Reconhecem­os que essas medidas deveriam ser parte de uma ampla reforma tributária, mas ações podem ser necessária­s já em 2017 dado o risco de não cumpriment­o da meta de resultado primário. Privatizaç­ões e outras receitas extraordin­árias podem fazer a transição para a elevação gradual de 2 pontos do PIB da carga tributária, que compensari­a a piora da dinâmica da dívida provocada pelo menor cresciment­o do PIB conforme os cenários acima.

Mesmo com as despesas controlada­s, o desafio ainda é grande. É preciso discutir com realismo quem perde com mudanças na carga tributária. Com equilíbrio fiscal, a sociedade como um todo ganhará.

A Zona Franca de Manaus custa mais que a renda gerada pelos empregos criados

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil