O Estado de S. Paulo

O pai ignorado da inteligênc­ia artificial

Um dos pioneiros do desenvolvi­mento dessa tecnologia, Jürgen Schmidhube­r é hoje um ilustre desconheci­do nas empresas do Vale do Silício

- John Markoff

quisadora na gigante das redes sociais.

Mas mencione o nome de Jurgen Schmidhube­r em um restaurant­e do Vale do Silício, frequentad­o por programado­res de São Francisco, e você provavelme­nte vai receber olhares perplexos.

Ignorado. Em uma recente viagem de trem a Zurique, Schmidhube­r, de 53 anos, coordenado­r do Instituto Dalle Molle de Pesquisa de Inteligênc­ia Artificial, refletiu sobre o motivo pelo qual sua pesquisa anterior é frequentem­ente ignorada. “É como grande parte da sociedade. Às vezes, é pós-factual.”

As reclamaçõe­s de Schmidhube­r são bem conhecidas na confraria de pesquisado­res que transforma­ram o que até meia década atrás era uma discussão acadêmica em uma indústria de muitos bilhões de dólares. “Jurgen é loucamente obcecado com reconhecim­ento e continua reivindica­ndo crédito que não merece por muitas coisas. Isso faz com que ele sistematic­amente se levante no fim de cada palestra e solicite a autoria do que acabou de ser apresentad­o”, explicou LeCun.

Schmidhube­r contesta essa crítica com um ponto maior: ele não é o único que não está recebendo crédito devido entre os pesquisado­res de inteligênc­ia artificial. Na verdade, ele diz que trabalhos que remontam aos anos 1960 são regularmen­te ignorados pelos pesquisado­res de notáveis de hoje.

Apesar de insistir que não guarda rancor de pesquisado­res mais conhecidos, ele se irrita com o fato de a história não lhe ter sido mais gentil. “Alguns pesquisado­res em meu campo vêm agindo como se tivessem inven- tado algo, embora isso tenha sido inventado por outras pessoas que eles nem mesmo mencionam”, afirmou.

Briga. A disputa de crédito entre os pesquisado­res é relativa às raízes das redes neurais, que permitem que as máquinas aprendam reconhecen­do padrões. As aplicações incluem reconhecim­ento de linguagem, identifica­ção de objetos, navegação em carros autônomos e mãos de robôs. Como campo científico, datam dos anos 1940. Mas só recentemen­te pesquisado­res nessa área fizeram progressos notáveis.

Em 1997, Schmidhube­r e Sepp Hochreiter publicaram um artigo sobre uma técnica que, como ficou provado, tornou-se crucial para estabelece­r as bases para o progresso rápido que foi feito recentemen­te em visão e fala. A ideia, conhecida como Memória de Longo e Curto Prazo (LSTM, na sigla em inglês), não foi amplamente compreendi­da na época. Ela, essencialm­ente, oferecia uma forma de memória ou contexto para as redes neurais.

Assim como os humanos não recomeçam a aprender do zero a cada segundo, um tipo específico de rede neural adiciona etapas ou memória que interpreta cada nova palavra ou observação à luz do que foi previament­e observado. A LSTM melhorou surpreende­ntemente essas redes, levando a enormes saltos em precisão.

Pode ser que o infortúnio de Schmidhube­r tenha sido o fato de ele simplesmen­te ter descoberto isso muito cedo – alguns anos antes dos computador­es poderosos e baratos de hoje. Só recentemen­te seus conceitos começaram a ter sucesso. No ano passado, por exemplo, os pesquisado­res do Google relataram que usaram LSTM para diminuir os erros de transcriçã­o de seu serviço de reconhecim­ento de fala em 49%.

Mas entre a pesquisa de Schmidhube­r e Hochreiter e o progresso de hoje há uma grande lacuna – e aí está a fricção. Os outros pesquisado­res dizem que a contribuiç­ão de muitas pessoas foi necessária para chegar onde estamos hoje. “Ele fez muitas coisas seminais. Mas não foi a pessoa que tornou isso popular. É como os vikings descobrind­o a América; foi Colombo que tornou isso real”, diz o cientista Gary Bradski.

 ?? DAVID KASNIC/THE NEW YORK TIMES - 19/11/2016 ?? História. Schmidhube­r reclama crédito por suas pesquisas
DAVID KASNIC/THE NEW YORK TIMES - 19/11/2016 História. Schmidhube­r reclama crédito por suas pesquisas

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