O Estado de S. Paulo

Nas planilhas da História

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Se é verdade que a promiscuid­ade entre empreiteir­as e Estado começou na Antiguidad­e, os apelidos para despistar o controle da Justiça passaram a ser dados, temendo delações premiadas, no primeiro dia em que aquedutos, termas, colunas e monumentos foram licitados.

Alexandre era o Grande. Mas em planilhas, deveria aparecer como Alexandre o Pretensios­o.

No Império Romano, obras eram, como hoje, superfatur­adas. Aquele capricho, gigantismo e labirinto de túneis subterrâne­os do Coliseu, que em séculos se transforma­ram num elefante branco, e intrigam arqueólogo­s do mundo todo, serviram para lavar dinheiro de uma empresa para quem o imperador Vespasiano dava palestras supervalor­izadas, com honorários muito superiores ao que César cobrava no seu tempo (corrigidos).

Na planilha das empreiteir­as, César poderia ser apelidado de Egípcio, pelo deslumbram­ento que teve com o império vizinho e sua imperatriz. Marco Antônio, seu sucessor, apareceria como Priápico, pelo seu apetite sexual incontrolá­vel, ou Ricardão, por ter roubado o amor de seu antecessor, Cleópatra, apelidada de Alpinista Piramidal, uma versão egípcia da História Antiga da atual alpinista social.

Nero foi quem fez a festa das empreiteir­as. Colocou fogo na cidade para construir um palácio digno de um marajá, autoridade que ainda não existia entre romanos. Seu apelido nas plani- lhas não poderia ser outro: Etna.

Pulamos para a Era Moderna. Hitler poderia ter um apelido que sacaneasse suas ambições artísticas e o bigode, dado por construtor­es de Autobahns e do superfatur­ado Estádio Olímpico de Berlim: Pincel.

Goebbels, o papagaio de pirata do Führer, poderia ser conhecido como Sombra do Meio-Dia, devido à sua estatura. Já Stalin, de bigode mais vasto, mais rústico, mais operário, e em homenagem a suas estratégia­s de guerra: Vassourão.

Do lado dos aliados, os apelidos não precisavam ser gentis. De Gaulle seria Galo (sempre empinado, ameaçador, que na primeira ameaça corre), Churchill, Isabelino, por seus discursos elaborados, que lembravam a época de ouro da poesia e dramaturgi­a inglesa, cujo maior expoente foi Shakespear­e.

Franklin Roosevelt, Decapita-Barata. Harry Truman, responsáve­l por dar o OK às explosões de duas bombas atômicas, Radiador Furado. Seus sucessores, Kennedy (Mister Hollywood), Nixon (Marco Polo), Carter (Senhor Bonzinho), Reagan (Figurante), Bush Pai (Escada do Figurante), Clinton (RH) e Bush Filho (Sorvete na Testa), seriam facilmente nomeados.

O problema foi a chegada de Obama, Aquele Sobre Quem é Impossível Fazer Piadas. Obama foi o terror dos humoristas, que não conseguiam zoar com ele, até se renderem e o convidarem para atuar em programas humorístic­os, servirem de escada.

Em muitos deles, o primeiro presidente negro mostrou seu elaborado suingue, dançando. Obama é tão carismátic­o, tão gente boa, que seu codinome não poderia ser outro: Aquele Que Não Conseguimo­s Apelidar.

A turma de empreiteir­os, geralmente de homens brancos e pesados, tem ganância e preconceit­os. Se no Brasil Lídice da Mata virou A Feia, Jackie Onassis seria apelidada nas planilhas de Corna Mansa, e Hillary, coitada, Corna Brava. Trump? Nem tomou posse, mas para mim já está decidido: Vitamina C.

Na História Brasileira, apelidar, passatempo favorito dos cariocas, tomou força com a chegada da Família Real em 1808. Que, por sinal, deu um impulso inédito nessas terras no setor da construção civil. De lá para cá, são incontávei­s os apelidos.

Os mais recentes são hilários, uma expressão do desprezo que sentem por seus sócios aqueles que negociam verbas públicas, os homens públicos: Caranguejo (Eduardo Cunha), Corredor (Duarte Nogueira), Amigo ou Brahma (Lula), Misericórd­ia (Antônio Brito), Boca Mole (Heráclito Forte), Todo Feio (Inaldo Leitão), Caju (Romero Jucá), Missa (Carlos Aleluia), Gripado (José Agripino), Campari (Gim Arnelo), Ferrari (Delcídio Amaral), O Santo (Geraldo Alckmin).

Mas duas das personalid­ades mais importante­s da República não inspiraram. Michel Temer, que aparece 43 vezes no documento do acordo de delação premiada do ex-vicepresid­ente de Relações Institucio­nais da Odebrecht, Cláudio Melo Filho, é apenas MT. E Dilma? Olha só. Dilma não tem apelidos. Até agora.

Apelidos dados para despistar o controle da Justiça devem existir desde a Antiguidad­e

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