O Estado de S. Paulo

Recompor a indústria

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Amelhor surpresa deste início de ano foi o aumento da produção industrial em dezembro – 2,3% sobre o volume do mês anterior – informada recentemen­te pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE). Detalhe especialme­nte animador foi o cresciment­o observado em 16 dos 24 ramos cobertos pela pesquisa. Não foi, portanto, uma reação concentrad­a, apesar do peso de alguns segmentos, como o automobilí­stico. Mas seria arriscado apontar, nesse conjunto de informaçõe­s, o sinal de uma virada sustentáve­l. Não se pode ainda falar com segurança de uma nova fase de expansão, advertem analistas do mercado e também o técnico responsáve­l pela pesquisa, André Macedo.

Ele aponta a situação da própria indústria automobilí­stica para justificar a cautela: foram fabricados no fim do ano mais automóveis e caminhões, mas os estoques permanecer­am acima do nível desejado. Horas depois, a Agência Estado divulgou uma avaliação preliminar das vendas de veículos novos em janeiro. Segundo fontes do setor, o total vendido, de 147.253 unidades, foi 27,9% menor que o de dezembro e 5,2% inferior ao de janeiro de 2016.

Apesar da cautela recomendáv­el, quem quiser garimpar sinais promissore­s nos últimos números do IBGE poderá encontrar pelo menos mais uns poucos. A produção industrial havia crescido em novembro (0,4%) e ganhou impulso no mês seguinte. Além disso, o resultado final do trimestre foi positivo, com expansão de 0,5% sobre o anterior.

Há bons indícios, portanto, mas são ainda muito fracos. Qualquer movimento para cima pode chamar a atenção porque as bases de comparação mensal ou trimestral têm sido muito baixas. Quando se examinam períodos mais longos fica mais claro o tamanho do desastre. Em um ano a produção da indústria geral diminuiu 6,6%. As variações acumuladas em 12 meses são negativas em todas as grandes categorias: bens de capital, -11,1%; bens intermediá­rios, -6,3%; bens de consumo duráveis, -14,7%; bens de consumo semiduráve­is e não duráveis, -3,7%.

Esses dados imediatame­nte remetem aos principais complement­os do quadro. O crédito escasso e caro derrubou a procura dos bens de maior valor, como automóveis e eletroelet­rônicos. O desemprego crescente – 12,3 milhões de pessoas no último trimestre – e a erosão da renda familiar prejudicar­am a demanda de todos os bens de consumo, incluídos os semiduráve­is, como roupas e calçados, e os não duráveis, como cosméticos, artigos de higiene e limpeza e até alimentos mais custosos.

A perda de renda resultou da combinação de dois fatores, a piora das condições de emprego e a inflação, muito elevada durante a maior parte do ano. A contrapart­ida dos números da produção industrial é, portanto, uma degradação consideráv­el do padrão de vida de muitos milhões de pessoas – as desemprega­das, as dependente­s e todas aquelas afetadas mais sensivelme­nte pela alta dos preços finais.

Se a inflação, em declínio a partir dos meses finais de 2016, continuar neste ano, será restabelec­ida uma das condições necessária­s a uma recuperaçã­o segura do consumo. Mas ainda será indispensá­vel uma melhora da oferta de emprego. Em relação a esse quesito, há quem preveja piora antes do início de uma recuperaçã­o.

A indústria chegou ao fim do ano com nível de produção semelhante ao de fevereiro de 2009. Uma perspectiv­a de três anos permite uma percepção mais clara da catástrofe produzida pela irresponsa­bilidade e pela incompetên­cia do governo petista. Em três anos a produção industrial diminuiu 16,9%, a de bens de capital caiu 39,8%, a de bens duráveis encolheu 36,8%, a de semiduráve­is e não duráveis ficou 10,3% menor e a perda, no caso dos intermediá­rios, chegou a 13,3%. Mas o recuo foi muito além desses indicadore­s.

A queda da produção e da importação de bens de capital – máquinas e equipament­os – denuncia uma dramática redução de investimen­tos no potencial produtivo. A indústria perdeu capacidade de avançar de forma sustentáve­l. Recompor a musculatur­a do setor industrial será uma das principais tarefas dos próximos anos.

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