O Estado de S. Paulo

Devagar, mas com pressa

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No discurso de posse dos novos ministros, ontem, o presidente Michel Temer disse que a regra de seu governo é ir devagar, dialogando com o Congresso, mas tendo pressa. Pressa, nesse caso, de aprovar reformas, entre elas a da Previdênci­a e a trabalhist­a. Quem sabe a tributária e a política.

O presidente tem razão. Até porque ele não tem outra saída. Nos menos de dois anos de governo que tem pela frente, ou Temer aprova as reformas que se propôs a fazer para tirar o País da recessão e retomar o caminho do cresciment­o, ou entrega o País com um futuro sombrio pela frente, ao deusdará, à mercê de qualquer aventureir­o.

Se os políticos ignoram a sociedade e fazem de Brasília seu mundo à parte, a sociedade não os ignora. Ela sabe que, enquanto o desemprego leva o desespero às famílias, destrói a autoestima das pessoas, alimenta a desesperan­ça, tem parlamenta­r usando o dinheiro público para bancar as despesas de viagem dele a Curitiba para uma visita de cortesia ao ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

O recesso serviu de alerta para muitos que voltaram às suas bases em dezembro e janeiro. Diz o deputado Mar- cus Pestana (PSDB-MG) que ele nunca tinha visto o cidadão na situação em que está. “Quando o desemprego era só uma estatístic­a, a gente olhava os números com alguma distância. Agora, que é de carne e osso, chegou a seus amigos e parentes e bate à sua porta e pede a sua ajuda, a sensibilid­ade de todos aguça.”

Nessa realidade, o cidadão volta para casa, liga a televisão e vê a notícia de que o ex-governador do Rio Sérgio Cabral estava por trás de um esquema milionário de desvio de dinheiro, dinhei- ro escondido no exterior, de cobrança de propina de empreiteir­os em troca de favorecime­ntos. Não tem como ele não fazer uma comparação entre aquilo que vê, recheado de viagens em jatinhos, hotéis de luxo, joias, uma vida que é um escárnio para a vida do cida- dão comum, e não pensar em dar o troco. Nem que seja nas urnas.

Troco que já veio em parte nas eleições municipais de outubro do ano passado. A revolta, naquela época, era contra o PT e parte de seus políticos, que um dia se apresentar­am como a própria honestidad­e, mas foram pegos em malfeitos, a palavra com a qual a presidente cassada Dilma Rousseff tentou amenizar o significad­o de corrupção. A tudo isso, se somou a crise econômica provocada pelo governo de Dilma. O resultado foi uma derrota acachapant­e para o PT, da qual até agora o partido não se recuperou.

Assim como o PT, os partidos que apoiam Temer também têm representa­ntes investigad­os pela Operação Lava Jato. O próprio presidente e vários de seus ministros aparecem em delações. Há ainda uma grande expectativ­a a respeito dos nomes que vão aparecer nas revelações de 77 executivos e ex-executivos da Odebrecht, todas elas homologada­s pelo Supremo Tribunal Federal.

Significa que, daqui a alguns dias, de- pois de bater pernas atrás de emprego, o cidadão chegará em casa, ligará de novo a televisão e verá novas notícias a respeito da Lava Jato. E, com elas, a revelação de mais e mais nomes de políticos citados como beneficiár­ios disso ou daquilo. De novo ele voltará a fazer comparação entre o mundo em que vive e o outro, em que vive o político.

Por isso mesmo é que o presidente Michel Temer está coberto de razão quando diz que seu governo anda devagar, mas tem pressa.

Se não tiver pressa, se não aproveitar a imensa base política que tem no Congresso para tocar as reformas, aprová-las e fazer a economia voltar a crescer e a gerar empregos, Temer dará razão àqueles que, pelas circunstân­cias do momento, tenderão a pôr todos os políticos no mesmo saco. Para, em seguida, rejeitá-los.

Para a democracia, a sociedade e o País, isso é o pior que poderia acontecer.

O cidadão vai comparar sua vida e o mundo à parte dos políticos

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