O Estado de S. Paulo

Concordar com o presidente, mesmo que ele não goste

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desfaça de dois existentes.

Pode parecer “perfumaria”, mas o governo britânico adotou essa regra de “entra um, sai dois” em 2012 e ela funcionou perfeitame­nte. Aliás, embora considere alarmante boa parte da visão de mundo de Trump, concordo em geral com algumas partes importante­s de seu programa – reforma fiscal, investimen­to em infraestru­tura, desregulam­entação, reforma do serviço público. Mas a pergunta maior que eu fico me fazendo é: será que Trump quer que alguém como eu concorde com ele?

A Casa Branca de Trump decidiu que a melhor maneira de lidar com qualquer instituiçã­o ou grupo que possa se colocar em seu caminho é tentar incansavel­mente deslegitim­á-lo. Isso levou a uma feroz estratégia de ataque à mídia, a qual o presidente agora chama de “partido de oposição”. Seu estrategis­ta-chefe, Stephen Bannon, convidou a mídia a “ficar de boca fechada e apenas ouvir por algum tempo”.

Se formos ouvir os Estados Unidos, quase 3 milhões de americanos vota- ram a mais em Hillary Clinton do que em Trump. Para saber quais desses grupos tornam o país grande, não estou certo sobre qual critério usar, mas se for criar riqueza e contribuir para o PIB, o de Trump nem chega perto. Segundo a Brookings Institutio­n, os 500 condados onde Hillary venceu produziram 64% da produção econômica americana, enquanto as 2.600 regiões conquistad­as por Trump produziram apenas 36% do PIB. Use-se qualquer medida econômica – emprego, abertura de empresas, inovação – e as áreas com pontuação mais alta votaram amplamente contra Trump.

As elites urbanas podem estar desligadas da realidade do restante do país, mas elas ainda pagam as contas deste. Alguns anos atrás, The Economist com- parou o modo como cada Estado americano contribuía para os cofres federais com os recursos que recebia de Washington. O padrão básico é simples: são os Estados azuis, que votaram contra Trump em 2016, que financiam os Estados vermelhos que votaram nele. De 1990 a 2009, excluindo o Maine (que dividiu seus votos entre os dois candidatos), os Estados de Hillary pagaram coletivame­nte US$ 2,4 trilhões a mais em impostos federais do que receberam em gastos federais, enquanto os Estados de Trump em conjunto receberam US$ 1,3 trilhão a mais do que pagaram.

Mas não é dessa maneira que penso que devemos olhar para os EUA. O país é um só e diferentes partes e pessoas contribuem de maneiras diferentes. Estamos atravessan­do momentos em que economia e tecnologia separam a população – algumas pessoas e lugares prosperam enquanto outros definham. O objetivo deveria ser o de usar a política como um mecanismo de união tanto pelas políticas públicas quanto pelo discurso público.

Trump não fez quase nenhum esforço para unir os EUA, afirmando que o país estava dividido antes de ele ser eleito. Ele tem atacado impiedosam­ente todos que ousem discordar dele, sejam eles senadores, primeiros-ministros ou estudantes.

O desafio para a imprensa deve ser garantir que nós não espelhemos a hostilidad­e de Trump. Não podemos absorver e refletir essa negativida­de. Não somos a oposição. Somos uma instituiçã­o civil, protegida pela Constituiç­ão, cuja intenção é cobrar responsabi­lidades dos governos e fornecer informaçõe­s reais aos cidadãos. Espero ser capaz disso. Ao longo do caminho, quando for preciso, discordare­i vigorosame­nte de Trump. Mas o que é igualmente importante, quando necessário, quer ele goste ou não, concordare­i com ele.

Trump não fez quase nenhum esforço para unir os EUA e tem atacado impiedosam­ente todos que ousam discordar

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