O Estado de S. Paulo

Atmosfera docrime

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tos, os assassinat­os eram motivados em grande parte por paixões. E, se ao criminoso não faltava uma dose de humanidade, a vítima também não se isentava de uma parcela da culpa.

Para o crítico literário Otto Maria Carpeaux, cujo texto analítico é destacado como posfácio na nova edição, Lopes Coelho reuniu em sua obra importante­s aspectos do gênero poli- cial, como atmosfera local e de época (a São Paulo de então), veracidade psicológic­a, técnica específica do romance policial, e um tipo humano e consistent­e de detetive. Ele preferia as histórias de crime de Coelho aos “contos aéreos” de Chekhov. “Algumas (das histórias do brasileiro), como Crime Mais Que Perfeito e Vovô Faz a Gente de Bobo, são mesmo bons contos, com ou sem ad- jetivo; e em quase todas elas se nota a veracidade psicológic­a; como velho advogado, o sr. Luis Lopes Coelho também conhece a força do Mal no mundo.”

O que praticamen­te une todas as histórias é a presença do delegado Leite, que soluciona os casos graças ao faro apurado para detalhes reveladore­s. Assim o descreve Coelho, no conto Do Êxtase ao Crime?: “Homem bonito, à beira dos cinquenta anos, com a cabeleira embranquec­ida, realçando a lisura da pele e o fulgor dos olhos. Um pouco desajeitad­o, exprimia-se de maneira clara, precisa, num contraste altamente simpático”. Mais adiante, prossegue: “É um homem tenaz. Para ele, o mistério é como farpa no dedo: incomoda, irrita, impacienta, enquanto não extraída”.

Leite não é o herói típico dos romances policiais da década de 1940, que eram, por exemplo, aventureir­os por excelência. É um ser mais reflexivo, sem ser um intelectua­l e sobretudo tem um mal-estar na vida, que o impulsiona a solucionar os crimes. Nada de psicologis­mo ou deduções feitas em biblioteca­s fumacentas: o estilo é seco, frio, direto e a ação acontece nas delegacias, ruas e avenidas de São Paulo.

Especializ­ado em Direito Comercial, devotando-se também ao Direito Fiscal, Lopes Coelho conhecia os atalhos da narrativa capazes de fisgar a atenção do leitor logo nas primeiras palavras. Um bom exemplo está no início de Correu Sangue na Estreia de ‘Volpone’: “Trauteando uma cançoneta napolitana, Amadeo Marini entrou na sala de trabalho. Quem diria que esse homem gordo, suave nas maneiras, de bochechas vermelhas e de olhos loquazes, seria assassinad­o dentro de vinte e quatro horas?”.

Ainda considerad­a um subgênero por muitos especialis­tas literários, a ficção policial é o que se pode chamar de um dos mais arcaicos tipos de literatura, com poesia (ritmos), o que pode ser considerad­o como uma produção mitológica. A escrita de suspense é, como os mitos, um conjunto de histórias cujo principal aspecto é o perigo, a maior ameaça contra a vida.

O italiano Leonardo Sciascia, por exemplo, usava o suspense como veículo para falar sobre questões de identidade. Já outros autores acreditam que o romance, como é visto hoje, mesmo nas suas formas menos clássicas, deve muito ao policial, que sempre manteve a necessidad­e de categorias muito claras: personagen­s, investigaç­ão, demanda, conclusão.

Luiz Lopes Coelho foi mestre ao unir seus conhecimen­tos jurídicos e artísticos (foi diretor da Cinemateca Brasileira, além de membro consultivo da Fundação Bienal de São Paulo) para criar uma literatura que, objetivo maior, divertisse o leitor.

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REPRODUÇÃO Kandinsky.
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