O Estado de S. Paulo

O capitalism­o dos amigos

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Em mais um dos muitos comícios que tem feito na esperança de convencer a sociedade de que é vítima de perseguiçã­o política, e não um réu em cinco ações penais decorrente­s de seu exercício da Presidênci­a e das atividades a que se dedicou depois de deixá-la, Luiz Inácio Lula da Silva participou na última sexta de um evento em que o PT, vejam só, se propôs a apresentar o “outro lado” da Lava Jato.

Na versão petista da história não há provas do petrolão, a Lava Jato é mais arbitrária que o regime militar, o governo Lula promoveu o renasci- mento da indústria naval brasileira e, depois que ele deixou o poder, voltou a predominar no País o “complexo de vira-lata”. Tudo nas palavras roufenhas, intercalad­as por assoadas de nariz, de um Lula cada vez mais apagado, uma sombra do orador que já foi.

Pois no mundo real as provas estão à mão de quem se dispuser a consultar os arquivos públicos da Lava Jato, num acervo horripilan­te da corrupção chamado E-proc. O tal renascimen­to da indústria naval foi mais um cavalo de Troia para usar o Estado como veículo de propina para partidos aliados, diretores de estatais corruptos e empresá- rios idem. E a volta do complexo de vira-lata talvez se deva ao fato de que os poucos avanços sociais promovidos por Lula foram roubados pelo desmonte que sua afilhada Dilma Rousseff promoveu na economia brasileira.

Ainda no mundo lulista, aos amigos tudo é facultado e com eles se vai longe. Não bastassem as evidências de que, no poder, Lula promoveu um verdadeiro capitalism­o dos amigos tendo como plataforma­s a Petrobrás, o BNDES, a tal política dos campeões nacio- nais e um aparelhame­nto sem precedente­s da administra­ção federal, ele próprio se pôs a fazer perorações sobre o valor das amizades.

Disse o ex-presidente que, diante da “falta de provas” cabe a cada petista aprender a ter “coragem” e estar “ao la- do dos amigos da gente”. Fazia uma referência não só a si próprio, mas também aos companheir­os presos, como João Vaccari, Antonio Palocci e José Dirceu.

Também admitiu ter “amigos” em outro setor: o empresaria­do. Desafiou qualquer um deles, preso ou solto, a dizer se alguma vez ele, Lula, pediu um centavo que fosse.

De fato, esse parece ser um ponto sustentáve­l da defesa do ex-presidente. Afinal, Alexandrin­o Alencar, o “brother” de Lula na Odebrecht, disse em sua delação que a reforma do sítio de Atibaia foi pedida pela ex-primeira-dama Marisa Letícia, já que a obra corria muito devagar.

Marcelo Odebrecht disse que havia uma conta sigilosa no departamen­to de propinas da empresa, operada por Palocci, mas preferiu não dizer à Justiça Eleitoral a quem se destinava.

José Carlos Bumlai afirma que intermedio­u um empréstimo fraudulent­o junto ao banco Schain, mais tarde pago com um contrato com a Petrobrás, para resolver um incêndio do PT – mas não diz que Lula lhe pediu para fazer isso.

Mas nem todos os amigos são tão benevolent­es. E Delcídio do Amaral, que foi líder de Dilma e frequentad­or assíduo do Instituto Lula nos últimos anos, diz que foi ele, Lula, quem pediu para intermedia­r o silêncio de Nestor Cerveró. Mas ele não pediu nenhum centavo, Lula tem razão.

O fato é que, a cada dia em que se sucedem revelações escabrosas de como as empreiteir­as criaram um Estado paralelo no Brasil, principalm­ente de 2006 a 2014, soam mais inverossím­eis os discursos repetitivo­s de Lula.

O abatimento do antes mitológico líder popular parece vir menos da suposta “perseguiçã­o” de que se diz vítima e mais da certeza, estampada em seus olhos, de que ele é hoje uma caricatura do que foi. E a culpa não é do juiz Sérgio Moro, do Ministério Público ou da imprensa. Quem traçou o caminho de Lula foi o próprio Lula.

No mundo lulista, aos amigos tudo é facultado e com eles se vai longe

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