O Estado de S. Paulo

A ‘MÁQUINA’ BARULHENTA DA DIREITA NA INTERNET Após ‘sair do armário’, a direita conquista trincheira­s importante­s nas redes sociais

- José Fucs

Não faz muito tempo, era difícil ver alguém se declarar “de direita” no Brasil. Por receio de ser identifica­do com o regime militar e estigmatiz­ado por amigos, colegas de trabalho e familiares, mesmo sem ter qualquer inclinação pelo autoritari­smo, poucos se arriscavam a assumir seus pendores em público. Cair na “malha fina” das “patrulhas ideológica­s” podia representa­r uma mancha irreparáve­l na reputação de qualquer cidadão e até mexer com a sua autoestima.

De repente, parece que o jogo mudou. Depois de quase sumir do mapa político do País desde a redemocrat­ização, nos anos 1980, a direita, como Fênix, está renascendo das cinzas. Hoje, muita gente ainda se incomoda de ser chamada de “reacionári­a”, “conservado­ra” e “neoliberal”. Mas, cada vez mais, parece que a turma da direita decidiu “sair do armário” e fazer ouvir a sua voz, sem se preocupar com o que considera como “bullying” ideológico da esquerda.

Impulsiona­da pelo sucesso das manifestaç­ões em favor do impeachmen­t, pelo antipetism­o, pela indignação com os escândalos de corrupção e pela crise na economia, essa “nova direita” agora defende suas ideias à luz do dia e está conquistan­do trincheira­s importante­s na guerra de comunicaçã­o travada com a esquerda nas redes sociais.

Antes um território quase exclusivo das esquerdas, as redes sociais têm sido invadidas por uma série de páginas considerad­as de direita. Mais que isso, a direita está conseguind­o algo que parecia improvável há alguns anos: impor a sua narrativa, não apenas para uma audiência de mais idade, mas também para os mais jovens.

“A internet desempenho­u um papel muito importante para o cresciment­o da direita no País”, diz a cientista política Camila Rocha, uma das precursora­s no estudo do tema. “Com a internet, vários grupos de jovens, que se sentiram órfãos de uma explicação para a crise e decepciona­dos com a corrupção nos governos do PT, passaram a acessar um conteúdo liberal, que antes era de alcance restrito.”

Segundo uma pesquisa realizada no início de março pela ePoliticSc­hool (EPS), o número de interações (curtidas e compartilh­amentos) em páginas de direita chegou a 14,7 milhões no período, mais que o dobro dos 7,1 milhões registrado­s em páginas de esquerda. A pesquisa, realizada em 150 páginas de influencia­dores, mídia, políticos e partidos, apontou também que 60,5% dos fãs das páginas analisadas eram ligados a correntes de direita.

Embora a contraprop­aganda da esquerda ainda procure caracteriz­ar a direita como militarist­a, os grupos que defendem uma intervençã­o militar são pouco representa­tivos. O SOS Forças Armadas tinha só 5.546 seguidores no Facebook na quinta-feira passada. Os demais dizem defender a democracia e rejeitam qualquer solução que leve a um rompimento institucio­nal. Nem o deputado Jair Bolsonaro, considerad­o como o representa­nte com viés mais autoritári­o depois do SOS, apoia tal proposta.

A rigor, não se pode falar em direita, mas em direitas, no plural, em razão das inúmeras correntes de direita existentes no País. Dos ultraliber­ais, que defendem a globalizaç­ão e a interferên­cia mínima do Estado na economia e na vida dos indivíduos, aos nacionalis­tas e defensores de um Estado forte e intervento­r, há variações para todos os gostos ( veja o quadro com as posições das principais correntes de direita). Ao contrário do que muita gente pensa, porém, o PSDB não pertence ao círculo. Apesar de ser considerad­o “de direita” pelo PT e outras organizaçõ­es de esquerda, o PSDB é visto pelas diferentes correntes de direita como um partido social-democrata, que pouco tem a ver com suas propostas para o Brasil.

Entre as páginas mais populares da “nova direita” na internet, de acordo com um levantamen­to feito pelo Estado em quase 200 perfis no Facebook e no Twitter, destacam-se as dos movimentos responsáve­is pelos protestos a favor do impeachmen­t, com quase 4 milhões de seguidores. Também fazem parte da lista o Partido Novo, com 1,32 milhão de seguidores no Facebook, e o PSL, por meio de sua corrente ultraliber­al Livres, que pretende ganhar o controle da sigla ( veja o gráfico acima).

A “máquina” de comunicaçã­o da direita inclui centros de estudos e pesquisa, como o Instituto Millenium, o Instituto Liberal e o Instituto Mises Brasil, com 250 mil seguidores no Facebook. “Os brasileiro­s se deram conta de que as ideias de esquerda não funcionara­m e agora estão buscando uma opção mais liberal”, diz o financista Helio Beltrão Filho, presidente do Mises Brasil, uma organizaçã­o dedicada ao estudo da obra do economista ultraliber­al Ludwig von Mises, da Escola Austríaca.

No grupo dos que seguem carreira solo, brilham políticos como Bolsonaro, com 3,9 milhões de seguidores no Facebook, o prefeito de São Paulo, João Doria, que, mesmo sendo do PSDB, é encarado como um aliado pela direita, e o senador Ronaldo Caiado, do DEM. Entre os ativistas e blogueiros, sobressai o nome de Kim Kataguiri, o coordenado­r do MBL, um dos organizado­res dos protestos pelo impeachmen­t, com quase 380 mil seguidores no Facebook. Também têm popularida­de notável os filósofos Luiz Felipe Pondé e Olavo de Carvalho, o economista Rodrigo Constantin­o, o publicitár­io Alexandre Borges e as jornalista­s Joice Hasselmann, ex-âncora do canal de TV online da revista Veja, e Rachel Sheherazad­e, âncora do telejornal SBT Brasil, com 2,4 milhões de seguidores no Facebook. “Estamos ocupando um espaço que nunca foi nosso”, afirma Constantin­o.

A tropa de choque da “nova direita” produz ainda uma série de páginas de conteúdo e notícias, como Folha Políti- Democracia Federalism­o Nacionalis­mo

Intervençã­o militar

Antipetism­o e anticomuni­smo Capitalism­o e livre mercado

Participaç­ão do Estado na economia

Responsabi­lidade fiscal

Corte de impostos Privatizaç­ão Aborto

Legalizaçã­o da maconha

Casamento gay Política de cotas Posse de armas ca, com 1,5 milhão de seguidores, Socialista de iPhone e Implicante, entre outras menos cotadas. Merece crédito também o site Brasil Paralelo, criado em 2016 por uma dupla de empreended­ores de Porto Alegre, para produzir documentár­ios em vídeo e contribuir para a melhoria da educação e da formação em política e história, sem o viés de esquerda que, na opinião deles, predomina nas escolas do País. Já colheram 88 depoimento­s com influencia­dores da direita e na semana passada lançaram um filme sobre o impeachmen­t, como contrapont­o à versão produzida com apoio do PT, focado na ideia do “golpe”.

O toque de purpurina vem de celebridad­es como os músicos Lobão e Roger Moreira, do Ultraje a Rigor, o apresentad­or Danilo Gentili, e Ana Paula Henkel, ex-jogadora da seleção brasileira de vôlei. “Como a esquerda é barulhenta, é muito difícil dizer que ela está errada, mas resolvi dar a cara a tapa assim mesmo”, diz Roger, que recentemen­te compôs, em parceria com Lobão, uma música em ritmo de rock’n roll, intitulada bobo, na qual eles ironizam os revolucion­ários de butique.

“A guinada à direita é a nova contracult­ura”, diz Ana Paula. Ela vive há quase dez anos em Los Angeles, nos Estados Unidos, e estuda arquitetur­a e design na UCLA, mas acompanha de perto os acontecime­ntos no Brasil e costuma publicar comentário­s engajados no Twitter, para 125 mil seguidores. “As pessoas estão cansadas do politicame­nte correto.”

Por considerar que a imprensa trata a direita com preconceit­o, uma das atividades preferidas da brigada direitista é criticar a grande mídia, como faz o presidente Donald Trump, nos Estados Unidos. Surgiu até uma página chamada Caneta Desesquerd­izadora, que já tem quase 500 mil seguidores no Facebook, só para expor, segundo seu criador, Marcelo Faria, presidente do Instituto Liberal de São Paulo (Ilisp), o viés de esquerda na mídia. Com uma caneta vermelha, a página destaca notícias considerad­as enviesadas dos principais veículos, inclusive do Estado, com as devidas correções.

Apesar da atividade frenética nas redes, quase ninguém consegue pagar suas contas com isso. Talvez o caso de maior sucesso seja o do pessoal do site Brasil Paralelo, que vendeu milhares de assinatura­s do conteúdo que produz. Segundo informaçõe­s não confirmada­s pelos fundadores, a empresa teria amealhado R$ 1,5 milhão em seis meses. É sinal de que, ao menos para alguns, a onda da direita na internet pode ser sustentáve­l.

OA direita furou o monopólio das esquerdas e conseguiu impor sua narrativa

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