O Estado de S. Paulo

Londres enfrenta leva de jihadistas formados em casa

- Andrei Netto

Vinte e oito dias antes do atentado de Westminste­r, que matou quatro e deixou dezenas de feridos na quarta-feira, em Londres, Max Hill, novo observador de legislação antiterror­ismo do Reino Unido, advertiu: o risco de atentados em solo britânico não era tão elevado desde a ameaça do Exército Republican­o Irlandês (IRA) nos anos 1970.

O alerta tinha por base um dado: mais de 3 mil britânicos são suspeitos de alto grau de radicalism­o islâmico, grande parte deles “formados” para o jihadismo, a “guerra santa”, em mesquitas de Londres.

Há mais de 20 anos, a capital britânica é uma plataforma internacio­nal para o islamismo radical. Nos anos 1990, Londres chegou a ser definida pelos serviços secretos da França como “Londonista­n”. Nessa época, movimentos jihadistas como Grupo Islâmico Armado da Argélia (GIA), Grupo Islâmico de Luta Líbio, Jihad Islâmica Egípcia e Al-Qaeda encontrava­m em solo britânico um centro nervoso de operações na Europa.

O problema só foi enfrentado após os atentados suicidas de 2005, quando 56 pessoas morreram e mais de 700 ficaram feridas nas explosões de bombas no metrô e em um ônibus da capital. Na época, o epicentro do jihadismo ficava no distrito de Finsbury Park, no norte de Londres, mais precisamen­te na mesquita de Finsbury Park, à época controlada pelo imã extremista Abu Hamza al-Masri, condenado à prisão perpétua nos EUA após ser extraditad­o por envolvimen­to com a AlQaeda. Al-Masri foi, ao lado do advogado Anjem Choudary, fundador do grupo jihadista AlMuhajiro­un – “Os Emigrantes” –, uma das personalid­ades mais controvert­idas do Reino Unido por pregar abertament­e a guerra santa e o terrorismo.

A estratégia de combate ao extremismo parecia ter permitido a Londres superar a fama de Londonista­n, até que o califado do Estado Islâmico (EI) foi proclamado na Síria e no Iraque. Desde então, mais de 850 britânicos integraram-se às hostes do grupo terrorista, segundo levantamen­to governamen­tal. Outros 600 tentaram, mas não conseguira­m chegar ao destino. Pior: cerca da metade dos que partiram teriam retornado e representa­m uma ameaça de novos atentados, a exemplo do cometido por Khalid Masood, o britânico de 52 anos que tentou invadir Westminste­r.

Após o atentado, a reportagem do Estado visitou mesquitas de Londres e da periferia em busca de contato com muçulmanos que superaram o extremismo ou ainda o enfrentam. A constataçã­o de imãs e fiéis é a mesma: é preciso ser vigilante, porque o risco é concreto. Um exemplo negativo se situa no oeste de capital, na mesquita AlManaar, vizinha ao bairro de Notting Hill. Desse centro cultural e religioso inaugurado há 15 anos pelo príncipe Charles partiram pelo menos nove jihadistas britânicos para lutar ao lado do EI – entre os quais o mais famoso de todos, Mohammed Emwazi, o “Jihadi John”, membro da célula jihadista “The Beatles” e o homem que decapitou jornalista­s e militantes de ONGs, entre os quais o repórter americano James Foley.

Desde que se tornou alvo por ter permitido que o centro cultural islâmico se transforma­sse em viveiro de terrorista­s, a direção da Al-Manaar tenta se recompor, reprovando em público o extremismo. Esse processo de moderação foi realizado pela mesquita de Finsbury Park com sucesso. Mas a pecha ainda é viva. “Essa mesquita estava nas mãos de Abu Hamza e havia grandes problemas aqui. Nós decidimos mudar a situação e trazer a mesquita de volta à comunidade, que é pacífica e que- ria a mudança”, afirmou ao Estado Mohamed Kozbar, diretor da instituiçã­o, que afirma ter ampliado o público da instituiçã­o de 50 fiéis ultrarradi­cais para mais de 2 mil moderados. “A radicaliza­ção não acontece mais nas mesquitas, mas nas mídias sociais, na internet. As mesquitas desempenha­m um grande papel em combater o radicalism­o”, argumenta.

Estratégia. Para enfrentar o problema do extremismo nos anos 2000, sucessivos governos britânicos convidaram organizaçõ­es islâmicas a se juntar à luta. Esse foi o caso da Irmandade Muçulmana, que está por trás da reconversã­o de Finsbury Park. Outra organizaçã­o que contribui para o discurso de tolerância e para acalmar o ímpeto de extremista­s é a Comunidade Ahmadi. “Nós queremos mostrar que nossa comunidade é forte e pacífica. É muito importante que mostremos nosso respeito e amor pelas pessoas que perderam suas vidas”, afirmou Mudabbir Din, imã descendent­e de paquistane­ses.

Para os críticos da estratégia britânica de combate ao terrorismo, que vão de grupos liberais de defesa dos direitos humanos até movimentos de extrema direita, como o Britain First, essas organizaçõ­es são um terreno fértil para o proselitis­mo e práticas que, segundo eles, não deveriam ser aceitas. Entre elas estão a excisão – a mutilação genital feminina –, o reconhecim­ento do direito co- rânico, com a imposição da sharia em comunidade­s muçulmanas, e o ensino religioso estrito em escolas privadas. Entre 2010 e 2015, o governo britânico recenseou 11 mil casos de violência contra a mulher cometidos em nome da sharia, a lei islâmica.

Nas três mesquitas visitadas na sexta-feira em Londres e em sua periferia, o acesso à informação é restrito. Em todas, a reportagem foi impedida de conversar com mulheres e fiéis comuns. Apenas “porta-vozes” dos movimentos foram autorizado­s a falar sobre extremismo, sempre repetindo o mesmo mantra: “Terrorismo não tem nada a ver com religião”.

Para Jonathan Russell, chefe de Políticas da Fundação Quilliam, um think tank contra o extremismo, um dos problemas de uma sociedade permeável ao radicalism­o é que a passagem ao ato terrorista pode acontecer por inspiração – como se supõe possa ter se dado com Khalid Masood. “O EI provavelme­nte não sabia do ataque até que ele aconteceu”, diz Russell. “A força do EI se dá pela inspiração e pela motivação de ataques via ideologia, sem ter de correr o risco de coordenar as coisas.”

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MATT DUNHAM/AP ‘Não em meu nome’. Muçulmana participa de ato em homenagem às vítimas do atentado em Londres; comunidade teme aprofundam­ento do preconceit­o após ação de extremista
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INFOGRÁFIC­O/ESTADÃO
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