O Estado de S. Paulo

A face da radicaliza­ção

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Ahistória de Khalid Masood, autor do atentado que deixou cinco mortos (incluindo ele próprio) e 40 feridos em Londres na quarta-feira, equivale a um estudo de caso do processo de radicaliza­ção no Ocidente e dos desafios para os serviços de inteligênc­ia. Masood nasceu no Natal de 1964 em Kent, a sudeste de Londres, e foi batizado como Adrian Russell Ajao.

Foi criado por sua mãe solteira, Janet Elms, em East Sussex. Negro, sua origem não tinha relação com o Islã, ao qual ele se converteu na prisão, já em Birmingham. Sua carreira no cri- me começou cedo: em novembro de 1983, um mês antes de completar 19 anos, teve sua primeira condenação, por “dano criminoso”. Seu último julgamento, em 2003, foi por ter ferido um homem com uma faca, a mesma arma com que mataria um policial na entrada para carros do Parlamento britânico.

Masood identifica­va-se como professor de inglês, e de fato parece ter dado aulas do idioma em Yanbu, na Arábia Saudita, em 2005. Um ano antes, casouse com a muçulmana Farzana Malik. Apesar de seus antecedent­es criminais, Masood, de 52 anos, levava uma vida aparenteme­nte normal em Birming- ham, no centro da Inglaterra, com sua mulher e três filhos pequenos. Uma criança vizinha disse ao jornal The Independen­t que ele lhe ensinou dribles de futebol. Um adulto contou como ele o ajudou a dar partida em seu carro com a bateria arriada. Seu meio-irmão Alex Ajao é contador na filial de Berlim de uma firma internacio­nal de marketing, que tem clientes como Ferrari, Volkswagen e o jornal Daily Telegraph.

Masood praticava intensamen­te musculação, vestia roupas esportivas, mas às vezes aparecia também com trajes tradiciona­is muçulmanos. Sua mulher usava o véu, mas trazia o rosto descoberto, o que indica um grau de conservado­rismo médio. Masood era visto aparando a grama e lavando o carro. Os vizinhos o considerav­am “muito amistoso e educado”. Seu cotidiano típico de subúrbio inglês foi interrompi­do em dezembro, quando a família se mudou abruptamen­te, sem avisar os vizinhos.

De lá para cá, ele viajou várias vezes a Londres, tudo indica que nos preparati- vos para o ataque. Segundo a primeirami­nistra Theresa May, Masood tinha sido investigad­o por ligações com extremista­s, mas era “figura periférica”, que não fazia parte das hipóteses de ameaça dos serviços de inteligênc­ia. O MI5, serviço secreto interno, disse que não tinha informação de suas intenções.

Dez pessoas foram detidas em conexão com o caso (duas seguiam presas ontem), e vários imóveis sofreram batidas policiais, embora as autoridade­s tenham afirmado que Masood agiu só. Ao reivindica­r a autoria do atentado, o Estado Islâmico o atribuiu a um “soldado”, sem mencionar seu nome. Isso ocorreu antes de as autoridade­s divulgarem o nome de Masood, e portanto indica que provavelme­nte não houve contato entre ele e o grupo.

Segundo a polícia, 3 mil pessoas são potenciais terrorista­s no país. Dessas, 500 estão sob investigaç­ão. Apenas uma pequena parte está sob vigilância física. São necessário­s entre 20 e 30 agentes para o monitorame­nto comple- to de um indivíduo. De 2014 para cá, um suspeito por dia tem sido preso. Masood não estava entre os 3 mil.

A história de Masood é, na sua essência, similar à de autores de atentados recentes na França, Bélgica e Alemanha, assim como o de Orlando, nos EUA. A principal diferença é que em geral eles nasceram em famílias muçulmanas, enquanto Masood era um convertido. Mas muitos não obedeciam os dogmas religiosos.

Esse quadro mostra o tamanho do desafio imposto pelo terrorismo que se reivindica islâmico. Mas indica também o rumo que os países devem tomar para enfrentá-lo. Na maioria dos casos, os autores dos atentados nasceram nos países onde os executaram. Ao contrário do que propõem os ultranacio­nalistas, não adianta expulsar imigrantes ou impedir sua entrada. A hostilidad­e só dará combustíve­l à radicaliza­ção, que se nutre da fantasia de uma conspiraçã­o judaico-cristã para aniquilar o Islã.

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