As várias enfermidades da senhora União Europeia
Hoje, nem prestam atenção. E, para arrematar, seu antigo parceiro teve um ataque de loucura (egomania narcissistica trumpica).
A imagem da Europa como uma mulher talvez seja tão antiga quanto o mundo. Os leitores devem se lembrar que a Angelina Jolie da antiga mitologia grega foi sequestrada por um agressor sexual chamado Zeus que se disfarçava de touro. Mas a União Europeia, a “Europa” atual, se assemelha mais à maravilhosa imagem projetada pelo cartógrafo do século 16 Sebastian Münster da Europa Regina, a rainha Europa, seu corpo formado por muitas regiões e países europeus. A Europa de Münster é uma dama imponente, com coroa, globo e cetro, mas também com muitas partes distintas. Pois a Europa como nação única é produto do sonho federalista e do pesadelo eurocético, não a realidade.
Receitas. E aqui começa o problema com as receitas propostas pelos médicos de Bruxelas. É o caso do recente “livro branco” do eminente gastroenterologista de Luxemburgo, presidente da Comissão Europeia, que traz o interessante subtítulo “Reflexões e Cenários para os 27 da UE em 2025”. Ele apresenta cinco cenários com títulos sucintos, como: “Continuar como previsto”, “Focar de novo no mercado único”, “Aqueles que querem mais fazem mais”, “Fazer menos e com mais eficiência” e “Fazer muito mais juntos”.
É fantasiosa a ideia de que um amplo debate popular na Europa culminará no que Juncker modestamente chama de “meu discurso sobre o Estado da União em setembro de 2017”, e depois “em um processo que será iniciado em tempo para as eleições no Parlamento Europeu, em junho de 2019”. Como se todo o continente esperasse ansiosamente pelo discurso de Juncker, do mesmo modo que os americanos aguardam o discurso do seu presidente sobre o “Estado da União”.
Um cronograma mais realista seria esse: seguindo o bom exemplo dos eleitores holandeses que rechaçaram o desafio populista do Partido pela Liberdade de Geert Wilders, os eleitores franceses se mobilizariam no segundo turno da eleição presidencial, em maio, para evitar uma parada cardíaca de toda a UE provocada por Marine Le Pen. O problema da dívida grega não será resolvido até depois da eleição geral na Alemanha, em 24 de setembro. A crise bancária e/ou política na Itália é evitada. Se conseguirmos resolver toda a situação – e trata-se de um enorme “se” –, talvez então uma coalizão de líderes bem dispostos, trabalhando com os três “presidentes da UE e suas instituições (Con- selho, Comissão e Parlamento)” consiga traçar uma rota para a recuperação do bloco a partir de 2018.
Labirinto. A verdade é que a Europa necessita de vários tratamentos, cada um com base num cuidadoso diagnóstico do problema particular, seja o Brexit, o populismo, a zona do euro, a interferência russa na Ucrânia, a dura situação dos refugiados, a latente ditadura na Turquia ou a convivência com Donald Trump. Alguns tratamentos requerem uma ação no plano da UE e em outros agrupamentos.
A questão da fronteira externa da área de Schengen, por exemplo, ou da Otan quando se tratar de defender os Países Bálticos contra a ameaça da Rússia. Com relação aos mecanismos de funcionamento da UE, a melhor maneira de avançar pode ser uma combinação dos terceiro e quarto cenários sugeridos por Juncker: “aqueles que que- rem mais fazem mais” e “fazer menos com mais eficiência”. Mas a luta será vencer ou perder no âmbito da política nacional e regional dos seus muitos integrantes, com suas línguas e estilos diferentes.
Cabe aos políticos, intelectuais líderes empresariais, educadores, da Alemanha, França e Itália, defenderem a continuidade da União Europeia, e sua reforma, nos seus países, em seus próprios idiomas – e isso vale para valões e flamengos, poloneses, espanhóis, catalães, irlandeses e, claro, ingleses. Nos casos em que as políticas europeias estiverem causando danos, é preciso deixar isso claro e mudá-las. Mas os políticos nacionais têm de parar de culpar Bruxelas por tudo de mau que ocorre e reivindicar todo o crédito para si próprios.
Eles têm de ouvir com muita atenção as legiões de eleitores insatisfeitos, elaborar políticas para tranquilizar esse eleitorado e comunicá-las em uma linguagem direta e atrativa que chegue até aqueles hoje seduzidos pelo populismo. Como qualquer comunidade política, a União Europeia só sobreviverá se uma parcela suficiente da sua população (e povos) quiser que ela sobreviva.
Aos 60 anos de idade, a Europa está em péssima forma, mas essa jovem senhora ainda tem vida. Ter vontade e autoconfiança para melhorar reduz as dificuldades à metade. E manter o senso de humor sempre ajuda.