O Estado de S. Paulo

Vila Madalena vira parque aberto aos domingos

Entorno do Beco do Batman atrai turistas estrangeir­os e se consolida como polo cultural e recreativo a céu aberto para os paulistano­s

- Felipe Resk

Organizado­s em grupos, estrangeir­os param para admirar os grafites e fazer uma foto com o celular. Ao piano, violino e instrument­os de sopro, maestros renomados e artistas em ascensão se apresentam em uma garagem, a poucos metros de distância. As crianças também estão lá: pulam corda e jogam bola. Tudo acontece no meio da rua. E sempre aos domingos: dia em que um pedaço da Vila Madalena, na zona oeste, se transforma em um parque sem grades nem portão de entrada.

“Não adianta procurar em lis- tas oficiais de atrativos de São Paulo porque o “Parque da Vila Madalena”, como é chamado por idealizado­res, não vai estar lá. “É um espaço virtual, onde há um conjunto de empreendim­entos que reúne cultura, lazer, entretenim­ento”, explica o professor Dirceu Dias, morador da região há 35 anos. “São pessoas interessad­as em se apropriar do espaço urbano.”

O “parque” está distribuíd­o por um triângulo de 60 mil m², ladeado pelas Ruas Medeiros de Albuquerqu­e, Harmonia e Aspicuelta. Há feiras gastronômi­cas, brincadeir­as e shows gratuitos, organizado­s por espaços de economia criativa sob liderança do Armazém da Cidade. Os eventos ganharam força há cerca de um ano, quando um trecho da Medeiros de Albuquerqu­e foi incluído pela gestão Fernando Haddad (PT) no programa Ruas Abertas. Desde então, o projeto também enfrentou resistênci­a de moradores e passou por alguns ajustes.

No coração do Parque da Vila Madalena está o Beco do Batman, reduto do grafite em São Paulo. “É como se estivéssem­os em um museu a céu aberto: simplesmen­te fantástico”, diz o norte-americano Larry Ehrlich, de 51 anos, um dos turistas.

Muitas pessoas também aproveitam para transforma­r o Beco em um “estúdio ao ar livre”. A estudante Júlia Piacentti, por exemplo, chegou com três amigas de limusine para fazer as fotos em comemoraçã­o ao aniversári­o de 15 anos. “Eu acho muito bonito, bem colorido, alegre. Gosto bastante daqui.”

Tour. É possível fazer tours guiados pelos próprios grafiteiro­s em ações de espaços e coletivos culturais, como a Ocuparte e a Alma da Rua. Para atender ao público estrangeir­o, a excursão da SP Free Walking Tour é feita em inglês e o turista paga o quanto “acha que vale”. Segundo Rafael Baracat, responsáve­l pela empresa, o passeio da Vila Madalena já atrai mais pessoas do que a Avenida Paulista. “O Beco do Batman e o Armazém da Cidade formam um corredor de arte e lazer”, diz. “Os turistas percebem a energia diferente.”

À frente do grupo, a guia turística usa um microfone preso na orelha para falar com 33 participan­tes do tour. Entre eles, há só dois brasileiro­s. “Estão vendo este desenho, galera?”, apon- Referência ta no muro a imagem de uma boca com uma língua imensa para fora. “Foi o Ron Wood, guitarrist­a do Rolling Stones, quem pintou.” É a deixa para que façam uma selfie atrás da outra.

“Nunca vi tanto artista junto em nenhum lugar do mundo”, diz o irlandês Richard Fenning, de 31 anos, participan­te do tour. “Há muita imaginação nas pinturas, eu adorei. Não temos isso no Irã”, concorda Azadeh Mohammadi, de 36 anos.

O fluxo de estrangeir­os cresceu após a Copa do Mundo, quando a Vila Madalena invadiu o noticiário internacio­nal. “Virou um point mesmo: 85% do meu público é de fora”, diz Marina Moretti, proprietár­ia do hostel Ô de Casa. Além das atrações no entorno, o fechamento do Beco para carros e a instalação de lâmpadas de LED, no ano passado, aumentaram ainda mais a movimentaç­ão. “Agora, os visitantes resolvem ficar mais tempo na cidade para assistir a um show”, conta.

Concerto. Cadeiras de praia e guarda-sóis substituem os carros na Medeiros de Albuquerqu­e aos domingos. Ficam na frente da galeria Choque Cultural, à espera das apresentaç­ões de música clássica, jazz e MPB. “Está todo mundo misturado. Você não se sente um artista, você faz parte do público”, diz o maestro João Carlos Martins, que apadrinhou o projeto Concerto na Garagem e fez um show de graça no início do mês. “É como se fosse um país imaginário: cerca de 800, mil pessoas sentadas na rua, ouvindo Bach, Mozart, Beethoven.”

Outro projeto, aos domingos de manhã, é o Jogadeira, da exjogadora de vôlei Ana Moser. Crianças se divertem no asfalto, supervisio­nadas por recreadore­s. “Na Europa, é muito comum ter iniciativa­s na rua”, diz o alemão Joahannes Fischer, de 34 anos, que levou a filha Valentina, de 3 anos, para brincar. “São Paulo precisa de mais espaços assim.”

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil