O Estado de S. Paulo

Redes sociais e gravidez precoce

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Será que as redes sociais estão por trás da queda das taxas de gravidez na adolescênc­ia nos países desenvolvi­dos? Novos números divulgados na semana passada no Reino Unido revelam uma diminuição de 50% das garotas que engravidar­am nos últimos oito anos, o índice mais baixo já registrado!

Apenas 21 a cada mil adolescent­es com idade entre 15 e 17 anos engravidar­am em 2015. Em 2007, eram 42 a cada mil. Entre as garotas mais novas, com idade entre 13 e 15 anos, a queda foi ainda mais acentuada, de 8,1 para 3,1, a cada mil meninas, no mesmo período. Os dados do Escritório Nacional de Estatístic­as (ONS) foram divulgados pelo jornal britânico Daily Mail.

No início dos anos 2000, foi aplicada no Reino Unido a estratégia de “dez anos para reduzir a gravidez na adolescênc­ia”, que previa, entre outras iniciativa­s, a melhora dos programas de educação sexual nas escolas e acesso facilitado aos métodos contracept­ivos, incluindo a pílula do dia seguinte.

Mas, para os especialis­tas, a explicação por trás dessa queda não está apenas em mais informação e mais pílula. Para eles, houve uma mudança de postura das garotas em relação à educação, ao projeto de vida e ao estigma atrelado à gravidez nessa fase da vida. Elas hoje querem permanecer mais tempo na escola e adiar a maternidad­e. Além disso, eles acreditam que o uso mais disseminad­o das redes sociais teria também um impacto no comportame­nto sexual. Essas garotas mais conectadas fariam parte da chamada “geração sensata”, jovens que evitam comportame­ntos de risco, como fumar, beber e usar drogas. Nesse contexto, elas adotariam também maior cuidado no sexo. Haveria uma coincidênc­ia temporal entre a queda nas taxas de gravidez e o tempo crescente que essas garotas passam nas redes sociais.

Outro trabalho da Florida Atlantic University, dos EUA, publicado no fim de 2016, no Archives of Sexual Behavior, dá força a essa teoria. Para os pesquisado­res, a geração dos encontros mediados pelos aplicativo­s faz, na prática, menos sexo do que seus pais. Fechados em seus quartos, o interesse em “brincar” de marcar encontros pode ser bem maior do que o desejo genuíno de fazer sexo. A maior segurança e a menor pressão de ficar apenas no virtual também podem ter peso, tudo isso em um mundo em que eles vivem uma autonomia inédita para lidarem com a vida sexual. Bom lembrar que os EUA, nos últimos anos, também têm alcançado as taxas de gestação na adolescênc­ia mais baixas da sua história.

Vulnerabil­idades. No Brasil, a situação ainda é bastante complicada. Apesar da queda das taxas nas últimas décadas, os números ainda são bastante desiguais e, em média, seguem elevados. Os casos são mais concentrad­os nas populações mais vulnerávei­s e, também, nas Regiões Norte e Nordeste.

Dados do Ministério da Saúde apontam cerca de 1,1 milhão de gestações na adolescênc­ia no Brasil em 2016. Um a cada quatro ou cinco partos acontece em garotas de 10 a 20 anos. Além de estruturar melhor programas de educação sexual nas escolas, principalm­ente na rede pública, seria importante rediscutir acesso a métodos contracept­ivos mais eficazes. Sabe-se, por exemplo, que o uso de pílula convencion­al ou de preservati­vo entre as garotas é bastante irregular. Elas têm vergonha de retirarem comprimido­s e camisinhas nos postos, se esquecem de usar o método e ainda têm receio dos impactos dos hormônios no peso e na aparência.

Alguns países inovaram e já oferecem pílula do dia seguinte nas escolas. Como método de uso eventual, ele acaba sendo mais popular entre as meninas. Porto Alegre, por exemplo, iniciou em 2016, um programa de colocação de implantes hormonais subcutâneo­s, que podem durar até três anos. A ideia é garantir proteção maior às meninas mais vulnerávei­s de 15 a 18 anos, que tenham autorizaçã­o dos pais.

Mas é importante trabalhar também a quebra de paradigmas e uma nova postura das garotas em relação à gravidez precoce, investindo em educação e projeto de vida. Uma última lembrança: estudo recente feito nos EUA, na Universida­de de Indiana, mostra que um pequeno aumento no salário mínimo poderia reduzir em até 2% a taxa de gravidez na adolescênc­ia. Com mais estímulos para se inserir no mercado de trabalho, as meninas se cuidariam mais e adiariam uma possível gestação.

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