O Estado de S. Paulo

Interdição da planta da BRF no município goiano afeta rotina e economia local

- André Borges Dida Sampaio

Perder tempo é igual a salgar carne podre: não adianta nada. O ditado popular escolhido pelo secretário de governo de Mineiros (GO), Aleomar Rezende, para resumir o clima do município soa como uma ironia ao pesadelo em que a pequena cidade se meteu desde o dia 17 deste mês, quando a Polícia Federal acordou todo o País com prisões e denúncias de que a carne nacional está contaminad­a por esquemas de corrupção, papelão e bactérias.

“Parou tudo por aqui. O povo está apreensivo porque a cidade depende muito dessa indústria”, diz Rezende. “A gente está diante do risco de um retrocesso profundo, que nem conseguimo­s medir.”

Há dez anos, a BRF Perdigão instalou seu complexo frigorífic­o na cidade, localizada a 450 quilômetro­s de Goiânia, no limite com Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Um ano antes, o concorrent­e Marfrig já havia erguido uma unidade na região.

Mineiros, que uma década atrás não tinha um único semáforo nas ruas, ganhou pavimentaç­ão e picapes de luxo circulando dia e noite pela cidade. Foi preciso importar mão de obra para tocar as linhas de abate de frango e peru. Fazendas e sítios se convertera­m em granjas. A população de 40 mil pessoas em 2007 saltou para os atuais 70 mil habitantes.

Hoje, a cidade que nasceu das rotas de imigração de garimpeiro­s e fazendeiro­s que deixaram o Triângulo Mineiro no fim do século 19 tem 25% de sua população ligada direta ou indiretame­nte à indústria da carne.

Do plantio de grãos para ração, passando pelas granjas, pelas empresas de transporte de insumos e de animais, até a entrega das aves na porta do frigorífic­o, cerca de 18 mil pessoas dependem das operações diárias dessas linhas de processame­nto, que funcionam de segunda a sábado, durante todo o ano, abatendo 115 mil frangos e 25 mil perus por dia.

“É uma cadeia produtiva inteira que está parada e isso gera um efeito casca- ta”, diz Fábio Leme, vice-presidente da Associação dos Avicultore­s Integrados da Perdigão em Mineiros (Avip).

Noé Ferreira de Oliveira, dono de uma loja de roupas no centro da cidade e diretor da Câmara dos Dirigentes Lojistas de Mineiros (CDL), diz que os efeitos já começaram a ser sentidos pelo comércio da cidade. “Pode reparar que as lojas estão mais vazias. O povo fica ressabiado, ninguém vai gastar porque não sabe qual será o resultado dessa situação”, diz ele.

A paralisaçã­o da unidade de Mineiros da BRF se deu por determinaç­ão do Ministério da Agricultur­a, após a Polícia Federal apurar indícios de que o complexo que exporta carne de aves para a Europa, África e Ásia teria envolvimen­to em um esquema de pagamento de propinas em troca de afrouxamen­to das fiscalizaç­ões sanitárias que envolvem a produção. As investigaç­ões da PF apontam ainda casos de presença da bactéria salmonela em aves que foram exportadas pela fábrica.

A BRF afirma, porém, que “não compactua com práticas ilícitas e refuta categorica­mente qualquer insinuação em contrário”. A empresa diz que “não tolera qualquer desvio de seu manual da transparên­cia e da legislação e regulament­ação brasileira­s e dos países em que atua.” “Se há irregulari­dades ou esque

mas de corrup- ção, isso tem de ser apurado e punido”, diz Leme, da Avip. “O que não é possível é deixar uma cidade inteira sem saber qual será o seu destino.”

Entre os empresário­s da cidade e da própria BRF, a expectativ­a é de que a unidade volte a operar nos próximos dias. O estrago, no entanto, já está feito, por conta dos embargos de compradore­s no exterior. “Não adianta produzir, se não há para quem vender”, diz Sérgio Marchio, empresário do ramo de galpões em Mineiros.

“Nesses últimos dez anos, a gente viveu um período incrível de cresciment­o, mesmo com toda a crise na economia. Agora, veio esse baque tremendo”, lamenta Marchio.

Escoamento. Nas redondezas de Mineiros, a única estrutura da BRF que ainda tem algum movimento é o centro de produção de ração, onde dezenas de caminhões aguardam em fila para entregar o milho nas granjas. “Esse negócio dá muito emprego para nós. Se fechar, vai complicar a situação”, diz o caminhonei­ro Hélio Ferreira.

Ao que tudo indica, não deverá faltar trabalho para os caminhonei­ros. Para desafogar as granjas de Mineiros, o Ministério da Agricultur­a autorizou o transporte de perus para a unidade da BRF em Uberlândia. A partir de amanhã, milhares de aves vivas serão transferid­as de caminhão para serem abatidas na cidade de Minas Gerais, a mais de 530 km dos mineirense­s.

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