O Estado de S. Paulo

Demônios e reformas

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OBrasil foi o país que mais cresceu em 1930-1980 e, em consequênc­ia, transformo­u em dogmas muitas das práticas daqueles anos, mesmo que sua utilidade fosse duvidosa ou conjuntura­l. A presunção era que nosso sucesso tinha origem em três pilares.

O primeiro era a busca da autossufic­iência através da industrial­ização por substituiç­ão de importaçõe­s, aumento dos “conteúdos nacionais” e o indefectív­el adensament­o das cadeias produtivas.

O segundo era uma postura relaxada, meio malandra com relação aos temas fiscais e monetários, pela qual o Banco Central ficou adiado até 1964 e permaneceu capturado em seguida, enquanto a correção monetária “neutraliza­va” a inflação.

O terceiro era nossa suposta habilidade em manobrar tratamento­s seletivos nas políticas públicas, tanto industrial como social, sempre “acertando” os vencedores e apoiando os perdedores. Era uma seletivida­de meio sem caráter. Nos anos 1980 essas premissas já estavam sob ataque, na esteira da percepção de que tínhamos diante de nós uma “década perdida”. O que não se imaginava era que íamos ficar estacionad­os ou esperneand­o durante as outras duas décadas a seguir.

Na verdade, é como se as três premissas tivessem se convertido em três demônios: isolacioni­smo, inflacioni­smo e seletivism­o. O inflacioni­smo foi o mais extroverti­do desses personagen­s. Em abril de 1980 a inflação ultrapasso­u 100% no acumulado de 12 meses pela primeira vez desde 1964, e daí até maio de 1995, quando caiu abaixo desse nível, acumulou em exatos 182 meses 20.759.903.275.651%. Uma catástrofe.

Justamente pelo fato de a doença ter se tornado aguda, o tratamento adquiriu urgência e em 1994 tivemos uma reforma monetária que pôs fim a esse tumulto. Muitos progressos institucio­nais foram feitos a partir daí com o propósito de evitar que a tragédia se repe- tisse e por isso fomos bem-sucedidos em repelir o contra-ataque enfeixado por Dilma Rousseff e sua Nova Matriz.

O isolacioni­smo sofreu ataques conceituai­s e práticos depois de 1980, com o aumento da presença estrangeir­a, com a internet e com a desregulam­entação cambial. Tudo considerad­o, o grau de abertura continua o mesmo dos anos 1980. Estamos entre as economias mais fechadas do planeta, com a produtivid­ade estagnada e ainda deba- tendo regras de conteúdo nacional que beneficiam empresas da Lava Jato.

O seletivism­o é um demônio mais discreto e insinuante. Aparece, às vezes, pelo nome de “síndrome da meia entrada” mas, a bem da verdade, está em toda parte. Há manifestaç­ões amenas: a “tarifa social”, pela qual alguns consumidor­es pagam pouco ou nada por serviços públicos, enquanto outros pagam mais. Outras diabólicas: quando o Estado sequestra metade dos depósitos bancários (a título de depósito compulsóri­o) para usar no financiame­nto da safra ou da casa própria, encarecend­o o crédito para outras utilizaçõe­s. Ou quando cobra um imposto sobre faturament­o de todas as empresas para transferir os recursos para o BNDES distribuir para algumas que são mais especiais.

O demônio do seletivism­o tem horror à impessoali­dade própria dos mercados e à meritocrac­ia. Ele é o grande artífice da paixão nacional pelos impostos indiretos, que dispersam custos para financiar benefícios concentrad­os e discricion­ários. Esses três demônios vão sempre existir, pois têm muitos amigos influentes. E só há três coisas que lhes metem medo: reformas, reformas e reformas.

Reforma é o que renova, reescreve e rearranja a economia, é a grande vitamina do cresciment­o. O Brasil devia fazer reformas todos os dias, pois o progresso decorre de inovação e empreended­orismo, inclusive na área pública, e do esforço de fazer mais com menos, melhor hoje que ontem. Sem reforma, os demônios proliferam: deve ser por isso que se diz que o cresciment­o é destruição criadora, quebra de paradigmas, reinvenção permanente, pois traz sempre vítimas, inocentes e culpadas.

Por isso o Brasil precisa da reforma da Previdênci­a. E também da trabalhist­a, tributária, orçamentár­ia, urbana, rural (agrária), sindical e do ensino médio. Precisa da reforma do ensino superior e inferior, da reforma protestant­e, do espírito do capitalism­o e da ortográfic­a. Reforma na varanda, no banheiro e na cozinha.

Reforma é a grande vitamina do cresciment­o; o Brasil devia fazer reformas todos os dias

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