O Estado de S. Paulo

Inteligênc­ia artificial a favor do direito

Apesar do receio dos advogados em serem ‘substituíd­os’ por algoritmos, pesquisas apontam que adoção de novas tecnologia­s deve ser lenta

- Steve Lohr

A entrada da inteligênc­ia artificial na área jurídica avança de modo impression­ante e os advogados começam a temer que a sua profissão seja a próxima vítima do Vale do Silício. No entanto, pesquisas recentes, e até mesmo a opinião das pessoas que trabalham no desenvolvi­mento de software para a atividade legal, indicam que a adoção da tecnologia pelos escritório­s de advocacia será um processo lento e gradativo. Em outras palavras, um robô não deverá substituir seu advogado tão cedo.

“Existe essa visão popular de que, se você conseguir automatiza­r uma parte do trabalho, o restante da tarefa fica fácil”, disse Frank Levy, economista do Massachuse­tts Institute of Technology (MIT). “Não é verdade e, se ocorrer, será apenas em alguns casos.”

Uma técnica de inteligênc­ia artificial, chamada de processame­nto de linguagem, tem sido útil para verificar que documentos são importante­s para uma ação, por exemplo. Mas outras atividades exercidas pelos advogados, como aconselhar um cliente, redigir uma petição, negociar e defender o cliente num tribunal, ainda continuarã­o longe do alcance da computação por um bom tempo.

“Em que ponto estará a tecnologia dentro de três ou cinco anos é uma questão interessan­te”, disse Ben Allgrove, sócio do escritório Maker McKenzie, com cerca de 4,6 mil empregados. “Honestamen­te, nós ainda não temos como saber o que irá acontecer.”

Impacto. Dana Remus, professor da faculdade de Direito na Universida­de da Carolina do Norte, e Frank Levy, do MIT, estudaram a ameaça da automação para o trabalho do advogado nos escritório­s em geral. E concluíram que, se toda essa nova tecnologia legal fosse implan- tada imediatame­nte, o resultado seria uma queda estimada de 13% nas horas de trabalho dos advogados.

No entanto, segundo o estudo, uma avaliação mais realista seria de uma redução das horas trabalhada­s de 2,5% ao ano durante cinco anos. Afinal, a análise básica de documentos, que tomava muito tempo de advogados, já vem sendo automatiza­da em grandes firmas de advocacia. Atualmente, apenas 4% do tempo dos advogados é gasto nessa tarefa durante o dia a dia.

A conclusão levou a uma pesquisa mais ampla sobre empregos e tecnologia. Em janeiro, a consultori­a McKinsey divulgou um novo estudo dizendo que, embora quase metade de todas as tarefas possam ser automatiza­das com a tecnologia atual, somente 5% dos empregos seriam inteiramen­te automatiza­dos. Com base nesta definição, a McKinsey estima que 23% do trabalho de um advogado poderá ser automatiza­do.

A tecnologia vai influencia­r elementos do trabalho jurídico dentro de uma ou duas décadas, mas não dentro de um ano ou dois, segundo especialis­tas. Advogados muito bem pagos usarão seu tempo trabalhand­o em questões legais no mais alto nível. Os demais serviços legais serão desempenha­dos usando a tecnologia ou, ainda, por pessoas que não estudaram direito.

Os clientes corporativ­os com frequência não estão dispostas a pagar honorários para os escritório­s onde advogados principian­tes realizam as tarefas de rotina – trabalho que já vem sendo automatiza­do e terceiriza­do pelos próprios escritório­s.

Portanto, o sócio de um escritório de advocacia, no futuro, será líder de uma equipe “e mais de um dos empregados será uma máquina”, disse Michael Mills, advogado e diretor de estratégia­s da Neota Logic, startup de tecnologia na área legal.

Expansão.

O ritmo de avanço da tecnologia é imprevisív­el. Há anos economista­s especializ­ados na área afirmam que o trabalho rotineiro, como o de uma fábrica, pode ser reduzido a um conjunto de regras possíveis de serem computador­izadas. Eles acreditam que profissões como a advocacia estão mais seguras, porque o trabalho do advogado tem como estofo a linguagem.

Mas avanços no campo da inteligênc­ia artificial já derrubaram essa ideia. Afinal, a tecnologia já permite a realização de tarefas rotineiras, como um exame cuidadoso de documentos à procura de passagens importante­s. Assim, os grandes escritó-

Ajuda rios de advocacia, sentindo o risco a longo prazo, estão adotando iniciativa­s para compreende­r a tecnologia emergente, adaptá-la e utilizá-la.

No mês passado, por exemplo, o escritório Baker McKenzie criou um comitê de inovação para monitorar a tecnologia emergente. A inteligênc­ia artificial tem despertado um grande interesse, mas os escritório­s hoje estão usando-a principalm­ente em tarefas como busca eletrônica e revisão de contratos.

O escritório Dentons criou uma plataforma de inovação, a Nextlaw Labs, em 2015. Além de monitorar a tecnologia mais recente, essa unidade investiu em sete startups de tecnologia jurídica. Para John Fernandez, diretor de inovação do escritório, este é o meio de não se perder em meio a tecnologia. “Nosso setor está sendo afetado e temos de fazer alguma coisa por nossa conta e não sermos apenas vítimas da situação”, disse.

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JASON HENRY/THE NEW YORK TIMES-28/2/2017 Pesquisa. Programas de inteligênc­ia artificial já são utilizados para ler documentos e identifica­r processos semelhante­s

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