O Estado de S. Paulo

O ESQUEMA, CONFORME DELATORES

Ex-funcionári­os do departamen­to da propina da Odebrecht revelaram detalhes ao TSE

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Depoimento­s de delatores da Odebrecht ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na ação que investiga possível abuso de poder político e econômico da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer de 2014 revelaram detalhes do funcioname­nto do “departamen­to de propinas” da empreiteir­a.

Responsáve­l por movimentar US$ 3,3 bilhões, o Setor de Operações Estruturad­as era o centro nervoso de um esquema de pagamento de subornos no Brasil e em outros 13 países. A cifra foi exposta por Hilberto Mascarenha­s, que chefiou a área de 2006 até o seu fechamento, após a Operação Lava Jato.

Nos depoimento­s, os delatores indicam que pagamentos ilegais não foram inventados na gestão de Marcelo Odebrecht, herdeiro do grupo, mas o nome e a estruturaç­ão do setor, sim. De acordo com Mascarenha­s, antes os pagamentos eram embrionári­os e menos seguros. “Eles usavam fax! Meu Deus do céu! Cuspir papel é suicídio!”, disse o delator ao TSE.

Os repasses ilegais estavam vinculados a uma “agenda ampla” da Odebrecht, que envolvia interesses no gover- no relacionad­os a etanol, tributação e obras, como a construção de infraestru­tura para a Copa do Mundo e a Olimpíada.

Além de propina e de caixa 2 para campanhas eleitorais, o setor bancava, de forma extraofici­al, o resgate de executivos em caso de sequestro, em países como Iraque e Colômbia, pagamentos a milícias e bônus a executivos da empreiteir­a.

O caixa 2 que abastecia a área era gerado por obras da empresa no exterior – segundo Mascarenha­s, 99,9% do dinheiro vinha assim. “‘Ah, vamos fazer uma obra em tal lugar’. Tinha um excedente (nesse tipo de obra). O excedente era usado para abastecer a nossa área”, relatou Fernando Migliaccio, subordinad­o a Mascarenha­s na área.

Operação. O setor recebia uma programaçã­o semanal dos pagamentos a serem ser feitos, já vinculados a codinomes dados por executivos do alto escalão a autoridade­s ou políticos. A hierarquia rígida, caracterís­tica da empresa, servia para compartime­ntar as informaçõe­s e evitar que funcionári­os da área decifrasse­m os apelidos.

“Chegou aqui autorizado, paga, certo? (...) Nosso papel era de pagar. Para quem e por que não era da nossa alçada”, disse Mascarenha­s ao TSE. As determinaç­ões de pagamento eram

Hilberto Mascarenha­s Chefe do Setor de Operações Estruturad­as de 2006 a 2014, trabalhou por 40 anos na Odebrecht e aceitou a “intimação” de Marcelo Odebrecht para assumir a área após receber oferta de vantajosos benefícios e remuneraçõ­es.

Fernando Migliaccio Subordinad­o a Mascarenha­s, o

lançadas sempre na sexta-feira e, na segunda-feira subsequent­e, a operação era feita. Quem recebia a planilha era a secretária Maria Lúcia Tavares, primeira delatora a falar sobre o setor. executivo do Setor de Operação Estruturad­as administra­va o caixa e levantava com os beneficiár­ios os endereços a ser entregue a propina e as pessoas que receberiam os valores.

Luiz Eduardo Soares Também subordinad­o a Mascarenha­s, era responsáve­l por grandes negociaçõe­s da área, especialme­nte o contato com bancos no exterior usados na operação para tornar o dinheiro disponível.

Ubiraci Santos Executivo vinculado à holding da Odebrecht,

Sistemas. Mesmo com acesso aos sistemas de informátic­a Drousys e MyWebDay, ela só sabia que “Feira” era Mônica Moura, mulher do marqueteir­o João Santana, porque a em- era quem incluía na agenda eletrônica de tarefas as requisiçõe­s de pagamentos de propinas feitas por diretores das unidades do grupo.

Maria Lúcia Tavares Secretária do Setor de Operação Estruturad­as da Odebrecht, era quem organizava os pagamentos em espécie no Brasil. Imprimia semanalmen­te do sistema MywebDay a planilha das requisiçõe­s dos diretores. presária foi até o escritório da empresa uma vez. Foi Santana quem levou a Polícia Federal ao conhecimen­to da área de propina.

O pedido para realizar o paga- mento era encaminhad­o por executivos da Odebrecht, sempre com autorizaçã­o de Marcelo Odebrecht ou de líderes empresaria­is (presidente­s das empresas do grupo). Os líderes que autorizava­m o pagamento tinham o valor “debitado” da sua área – ou seja, o que era pago pelo departamen­to da propina por autorizaçã­o do executivo era abatido do lucro da área e interferia no bônus que a empresa pagava a ele.

Para tentar maquiar o elevado fluxo de valores, os executivos do setor ficaram sócios de um banco em Antígua, paraíso fiscal do Caribe, e se valiam de transações por várias camadas de offshore.

Limite. O repasse ao destinatár­io da propina era a etapa final cumprida pelo setor. O dinheiro abastecia contas de operadores financeiro­s disponívei­s para efetuar pagamentos em espécie em qualquer lugar no País, até em cabarés, até o limite diário de R$ 500 mil por codinome.

“Muitas vezes eu brigava, porque tinha solicitaçõ­es para praças que é impossível conseguir, e você ficar transitand­o com reais por esse país é loucura, você vai ser pego”, disse Mascarenha­s.

Outro funcionári­o do setor, Fernando Migliaccio, preso na Suíça em 2015, afirmou no TSE ter como recorde a movimentaç­ão de R$ 35 milhões, a vários destinatár­ios, em um só dia. No exterior, os repasses eram feitos em contas bancárias – normalment­e de offshores. Fora do País, só não eram feitos pagamentos nos Estados Unidos, considerad­o “complicadí­ssimo” por causa da fiscalizaç­ão.

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GABRIEL JOSE/AGB-19/06/2015
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GERALDO BUBNIAK/AGB-16/5/2014

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