O Estado de S. Paulo

O grande impasse

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Por estarem jogando com seu próprio destino, é razoável supor que delatores, da Lava Jato ou não, contem verdades, meiasverda­des e puras mentiras, tentando salvar a própria pele sem esturricar a dos que ainda poderão ser úteis um dia, na próxima esquina da vida. Porém, a declaração de Marcelo Odebrecht a investigad­ores e publicada pelo Estado é considerad­a uma grande verdade no Congresso.

“Duvido que tenha um político no Brasil que tenha sido eleito sem caixa 2. E, se ele diz que se elegeu sem, é mentira, porque recebeu do parti- do. Então, impossível”, afirmou ele ao TSE, no processo contra a chapa Dilma-Temer. A frase é dita num tom coloquial, comezinho, de quem conhece – muito bem – como funciona ou funcionava o jogo político, mais ainda o jogo eleitoral, porque estava no centro dele. Tem o efeito tanto de esclarecer ainda mais o imbróglio quanto de complicar ainda mais as saídas desse mesmo imbróglio.

Tal frase poderia estar na boca, não em público, mas nos bastidores, de petistas, tucanos, peemedebis­tas, petebistas e todos os demais “istas” que disputaram eleições, conquistar­am mandatos e estão hoje na Câmara, Senado, governos estaduais, ministério­s, quiçá na Presidênci­a. Em geral, dizem que doadores põem um pé em cada canoa, sem ameaçar seu espaço privilegia­do no maior navio. Na Bahia, por exemplo, a Odebrecht financiava todos os candidatos, mas sem cutucar a onça Antonio Carlos Magalhães, o ACM, com vara curta.

Essa, entretanto, é só uma das explicaçõe­s para o caixa 2. Há outras: lavar o vínculo doador-receptor, disfarçar preventiva­mente futuros pagamentos em votos no Congresso e decisões no governo ou, a pior delas, escamotear corrupção em obras públicas.

O Judiciário tem dado demonstraç­ões de que não se comove com a versão política, e agora do doador-mor, de que “todo mundo fazia” caixa 2, era parte da cultura político-eleitoral e não se pode explodir o mundo político inteiro. Ontem mesmo, o Estado publicou entrevista do vice-procurador­geral eleitoral, Nicolao Dino, dizendo não ver “como separar caixa 2 e corrupção”. Mas não há consenso, muito menos certezas quanto a isso.

Entre o mundo político e o jurídico, o ministro Gilmar Mendes defende como saída justamente separar caixa 2 de corrupção, argumentan­do que caixa 2 é crime eleitoral, não necessaria­mente fruto de roubo sujeito a punição penal. Ele se vale inclusive das dez medidas de combate à corrupção apresentad­as pelo MP, que preveem a criminaliz­ação do caixa 2. Só é preciso criminaliz­ar o que ainda não é criminaliz­ado...

É assim que, quanto mais o presidente Michel Temer precisa concentrar forças na aprovação da reforma da Previdênci­a, mais o julgamento da chapa Dilma-Temer e a própria Lava Jato estão a mil por hora. No TSE, o julgamen- to do parecer do ministro Herman Benjamin pode começar já na próxima semana. No STF, a tendência do relator Edson Fachin é anunciar suas decisões em bloco, ainda no primeiro semestre. Assim, a Lava Jato e a reforma da Previdênci­a vão bater de frente logo ali.

Ou seja, o fundamenta­l combate à corrupção pode paralisar o Congresso e o governo numa hora essencial para a economia e isso tudo, somado, tem um nome: impasse. Quando se chega a um impasse, é melhor pensar grande e agir grande, consideran­do o bem do País. A frase de Marcelo Odebrecht soa como um alerta e uma reflexão: se todos se elegeram com caixa 2, como punir todos, indistinta­mente, sem explodir o sistema político, sem trucidar as saídas para a economia, sem criar uma terra arrasada?

Há que se punir, mas punir com as devidas gradações. Aliás, como na Operação Carne Fraca.

De Marcelo Odebrecht: ‘Duvido que tenha um eleito no Brasil sem caixa 2’. E agora?

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