Turquia contra Europa
Em 16 de abril, os eleitores turcos votarão em um referendo convocado por Recep Tayyip Erdogan e deverão responder se aceitam torná-lo um superpresidente, um ditador legal. O “sim” no referendo dará a Erdogan poderes ainda mais “plenos” do que os que ele já possui. E permanecerá no seu “trono” até 2029.
O referendo não será uma simples formalidade, apesar de Erdogan já controlar a situação e ter lançado no calabouço uma grande parte da elite turca. Os privilégios exigidos agora são tão exorbitantes que até seus partidários se inquietam. Não espanta, portanto, o fato de o presidente estar em campanha da manhã até a noite.
E essa campanha se compõe de três partes: em primeiro lugar, Erdogan colocou na prisão, ou deixou sem possibilidades de prejudicá-lo, aqueles que discordam de sua política. Segundo, ele tem multiplicado os discursos alardeando que em 16 de abril a Turquia vai reencontrar seus reais valores, os valores que os turcos respeitavam nos tem- pos gloriosos do Império Otomano.
Erdogan demoliu totalmente o edifício da Turquia moderna, o grande país criado por Kemal Ataturk após a guerra de 1914, que forjou uma nação ao mesmo tempo laica e militar. Erdogan elogia incansavelmente a fibra islâmica de seus partidários. Termina sempre seus comícios levantando apenas quatro dedos em alusão ao símbolo da “Irmandade Muçulmana”. E acusa os defensores do “não” de “insultarem o Islã”.
Nos seus comícios, também está presente um outro tema: a Europa, que ele rechaça violentamente a cada discurso e em termos insanos. No início, Erdogan contentava-se em insultar os dirigentes europeus, como a chanceler ale- mã, Angela Merkel, que segundo ele se comportava como os “nazistas”.
Mas atacar a chanceler alemã não era suficiente. No domingo, o presidente Erdogan anunciou que, após o referendo para torná-lo um presidente absoluto, convocará um segundo escrutínio sobre a adesão da Turquia à União Europeia.
Curioso, trata-se do mesmo Erdogan que à época em que era mais respeitável, adotava um islamismo moderado e batalhava para seu país ser admitido na União Europeia. Os europeus, na ocasião, talvez erroneamente, decidiram não abrir a porta da Europa para a Turquia, apenas entreabri-la. E há 15 anos as conversações prosseguem, cada vez mais difíceis e irreais.
Agora, o presidente turco inverte sua posição: por despeito ou convicção, não quer mais a Europa. Prova disso é sua disposição de restabelecer a pena de morte, estava no gene da Turquia e foi abolida exatamente para não ser um obstáculo à entrada do país na UE. Hoje, Erdogan manifesta sua vontade insana de restaurar a pena de morte, “que é uma bênção”.
Ele sabe que os ataques contra Merkel ou a União Europeia são perigosos. A Europa, com seu mercado de 500 milhões de consumidores, é fundamental para a poderosa Turquia. Há dois anos, quando a Europa entrou em pânico em razão dos milhões de migrantes que chegavam às suas fronteiras, a chanceler alemã manteve um encontro de urgência com Erdogan e a Turquia passou a receber o excedente de imigrantes amontoados na Grécia. O acordo salvou a UE e a Alemanha e continua em vigor. Erdogan poderá rescindi-lo em um momento de cólera.
Erdogan sabe que seus ataques são perigosos, mas ele tem cartas na manga