O Estado de S. Paulo

Crédito direcionad­o e spread bancário

- JOSÉ MÁRCIO CAMARGO

As taxas de juros no Brasil são extremamen­te elevadas. Tanto a taxa básica de juros, a Selic, que o governo paga para financiar sua dívida no dia a dia, quanto a taxa de juros de mercado, que é a taxa paga pelas empresas e famílias para tomar dinheiro emprestado.

A diferença entre a taxa de mercado e a Selic, o spread bancário, em geral, acompanha a Selic. Quando esta sobe, o spread sobe, e vice-versa. Esse é um comportame­nto esperado. O que surpreende no caso brasileiro são os elevados níveis de spread. Entre 2000 e 2017, ele variou de um mínimo de 30% a um máximo de 55%.

Vários são os determinan­tes do spread bancário. Um fator importante é a facilidade de executar o colateral, que é usado para garantir as dívidas. A qualidade do colateral é determinad­a pela legislação e pela atuação da Justiça. Uma legislação ou uma Justiça lenientes com o mau pagador, que dificulta a execução do colateral, como ocorre no Brasil, aumenta o spread bancário, e vice-versa.

A percepção de risco político é um segundo fator. Nos dois episódios em que houve aumento da percepção de risco político no País desde o Plano Real (quando da primeira eleição do ex-presidente Lula, em 2002, e no período de instabilid­ade política e econômica em 2015/2016), o spread atingiu níveis recordes, acima de 50%. No primeiro episódio, o aumento do spread acompanhou um aumento da Selic. Quando a Selic começou a cair, o spread voltou ao nível normal. Ao contrário, no episódio mais recente, o spread se descolou completame­nte da Selic, como se tivesse ganho “vida própria”. Isso ocorreu tanto na subida quanto na queda, indicando que houve significat­iva perda de potência da política monetária após a crise política.

Uma redução do subsídio ao crédito direcionad­o, por meio de uma taxa de juros mais próxima da de mercado, é um importante instrument­o para reverter a perda da potência da política monetária. Tal decisão aumentaria o custo e diminuiria a demanda pelo crédito direcionad­o. Ao mesmo tempo, reduziria a taxa de juros e aumentaria a demanda do segmento de crédito livre. O aumento da participaç­ão do crédito livre no total faria com que uma parte maior do mercado de crédito passasse a ser diretament­e afetada pelas variações da Selic.

O Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social (BNDES) é um caso paradigmát­ico. Ele responde por aproximada­mente 40% do crédito corporativ­o no País, e cobra uma taxa de juros (TJLP) de 7,5% ao ano. Um título público de cinco anos (NTN-B), prazo médio dos empréstimo­s do BNDES, paga hoje IPCA mais 5,2% ao ano (9,7% ao ano, se a meta for cumprida). O natural seria que os empréstimo­s concedidos pelo BNDES tivessem uma taxa de juros igual à taxa de juros desses títulos, que é o custo para o Tesouro de captar recursos. E, para dar segurança jurídica, a substituiç­ão da TJLP pela taxa de juros das NTN-B deveria ser feita por lei.

Vários são os benefícios dessa substituiç­ão. Primeiro, a taxa de juros seria determinad­a diretament­e pelo mercado, e não por uma regra obscura e pou- co clara. Segundo, criaria condições para o desenvolvi­mento de um mercado privado de crédito de longo prazo no País, algo que é inviabiliz­ado pelo elevado volume de crédito subsidiado do BNDES. Terceiro, aumentaria a oferta de crédito no mercado livre e, como consequênc­ia, a eficiência na alocação de recursos na economia.

Finalmente, ao aumentar a potência da política monetária, diminuiria a taxa de juros necessária para evitar aceleração da inflação, o que, em conjunto com a redução do spread, geraria redução da taxa de juros do segmento livre do mercado, favorecend­o famílias, micro e pequenas empresas.

É preciso reverter a perda de potência da política monetária ocorrida após a crise política

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