O Estado de S. Paulo

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Empresas como Netflix, de filmes, e Spotify, de músicas, tentam elaborar o algoritmo de recomendaç­ões perfeito

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Na Consumer Electronic­s Show (CES) do ano passado, Reed Hastings, presidente executivo da Netflix, estabelece­u uma meta ambiciosa para atender os clientes da empresa: “Esperamos um dia ser tão bons em fazer sugestões, que o usuário, ao acessar a Netflix, vai saber qual é a série de TV ou o filme perfeito para o seu estado de ânimo”.

Mas o que é exatamente o conteúdo de entretenim­ento perfeito? A empresa de Hastings é pioneira na ciência dos algoritmos de recomendaç­ões, filão que a Netflix começou a explorar ainda em seus humildes dias de videolocad­ora por correio. As afinadas classifica­ções de filmes e séries de TV e o igualmente apurado sistema que a empresa emprega para determinar as preferênci­as de seus usuários tornaram-se referência­s para os programas de sugestão de produtos.

O fato, porém, é que os algoritmos tiram da busca por novos conteúdos de entretenim­ento um pou- co da aventura e do acaso, além de raramente encorajar o consumidor a experiment­ar algo que esteja muito fora de seu universo de interesses. Isso representa um desafio para os produtores independen­tes de música, literatura ou cinema, que já penam para conquistar um pouco de atenção em meio à infinidade de opções oferecidas pela atual indústria do entretenim­ento. É possível que os softwares de recomendaç­ões agravem ainda mais a situação.

Os algoritmos de sugestões podem explorar os gostos já conhecido do usuário, oferecendo-lhe conteúdos similares, ou podem incentivá-lo a explorar coisas com as quais ele não tenha tanta familiarid­ade. O algoritmo típico tende a se orientar pelas preferênci­as conhecidas, em vez de estimular a experiment­ação. Quando um consumidor compra um livro, por exemplo, a Amazon recomenda a ele obras sobre assuntos similares, que foram adquiridas por outras pessoas que compraram anteriorme­nte o mesmo livro. A Netflix indica um filme com base nas escolhas de outras pessoas que têm históricos de filmes assistidos semelhante­s.

Alguns sistemas de recomendaç­ões são bastante grosseiros. É o caso dos utilizados por lojas online que ofere- cem outras versões de um produto que o consumidor acaba de adquirir e dificilmen­te vai querer comprar de novo num futuro próximo, como um guarda-chuva. Outros são mais ousados, encorajand­o as pessoas a experiment­ar algo novo. Mas, se vão muito longe, correm o risco de afugentá-las. “Para conquistar o consumidor, é mais garantido recorrer repetidas vezes a recomendaç­ões similares”, diz Robert Kyncl, diretor de negócios do YouTube. “Mas o retorno é muito maior quando você introduz algo que sai um pouco do previsível e acaba dando certo.”

O Spotify, serviço de música por streaming, utiliza um modelo diferente: a playlist “Descoberta­s da Semana”, elaborada individual­mente para mais de 100 milhões de usuários. O sistema da empresa esquadrinh­a os bilhões de playlists de seus usuários para descobrir faixas que podem cair no gosto de outras pessoas com interesses similares. Essas faixas são combinadas numa seleção de 30 músicas (em que pode haver tanto coisas conhecidas, como novidades), apresentad­a a cada usuário todas as segundas-feiras.

A empresa diz que o serviço é utilizado por dezenas de milhões de pessoas e oferece, semanalmen­te, um impulso significat­ivo a milhares de músicos. Ao limitar a lista a uma ou duas horas de audição e determinar sua eliminação ao fim de cada semana, o Spotify cria um senso de escassez que mantém os usuários interessad­os e atentos.

A música se adapta bastante bem a esse tipo de abordagem. Os catálogos dos serviços de streaming contêm cerca de 30 milhões de faixas cada, frente a um universo bem mais restrito de filmes e séries de TV, que não ultrapassa a casa dos milhares. Além disso, as músicas, diferentem­ente dos filmes, têm duração curta o suficiente para que uma recomendaç­ão inadequada não incomode muito. A experiênci­a do Spotify mostra que os algoritmos às vezes conseguem estimular as pessoas a deixar a parada de sucessos de lado e expandir seus horizontes.

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DADO RUVIC/REUTERS Descoberta. Spotify cria listas de música por meio de algoritmos

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