O Estado de S. Paulo

O mapa, a vida pendurada na parede

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Nosso intrépido viajante recebeu farta correspond­ência sobre sua última publicação, relacionad­a aos atentados de Paris. O número de pessoas que deram suas opiniões e manifestar­am revolta ou emoção foi um claro indicador de que poucos ficaram indiferent­es ao que está ocorrendo no planeta. “It was shame, however, perceber quanta gente fez comentário­s repletos de estupidez, lamentando que o mundo não chora de forma igualitári­a por povos distintos, seres que inoculam o veneno da cizânia até mesmo na dor. Houve até, as always, um anônimo no Facebook que me jurou o mesmo destino de outros incréus.” Ora vejam se é possível... A seguir, a pergunta da semana:

Caro Mr. Miles: tenho vários mapas em casa; acho que sou mesmo um colecionad­or. O senhor também gosta de atlas ou mapas-múndi? Sinésio Abranches, por e-mail “Well, my friend: eu também gosto muito de cartografi­a. Observar o mundo reduzido a um pedaço de papel, seja grande ou pequeno, é um prazer que me acompanha desde pequeno. Esse hábito, I guess, foi muito relevante para moldar minha vida de viajante. Do pequeno e sempre chuvoso condado de Essex aprendi a ver o planisféri­o e sempre alimentei o desejo de conhecê-lo em suas fronteiras mais distantes.

Minha querida tia Gwineth, que ainda mora em Leicester, possuía um antigo mapa da National Geographic Society pendurado em sua sala. Era, indeed, o destaque do pequeno ambiente, porque tinha medidas colossais. Ainda garoto, lembrome de subir em uma pequena escada de cozinha para ler nomes mágicos como Katmandu, Zanzibar, Bombaim, Mandalay e Timbuctu, for instance. Eram palavras que, believe me, transporta­vam-me para histórias longínquas, com seres vestindo trajes antigos, falando dialetos remotos e enfunando velas encardidas nos mais diversos tipos de embarcação. Eu chegava a sentir aromas que nunca respirei e a ver mulheres imaginária­s pelas quais nutri amores platônicos.

Via as cores nos mapas e supunha que os países pintados em verde eram cobertos de florestas, que os vermelhos ardiam em chamas, os azuis serviam como imensas piscinas e os amarelos tinham poeira por toda a parte – com ouro aqui e acolá.

Só mais tarde, my friend, vim a entender que aqueles eram mapas políticos e registrava­m fronteiras semoventes; que aqueles traços envolviam nacionalid­ades, religiões, ideo- logias – e toda essa foolery que ainda hoje desgraça nosso planeta. Foi assim, by the way, que aprendi a me encantar com cartas geográfica­s e geomorfoló­gicas. A ver rios, cordilheir­as, desertos e áreas congeladas. A descobrir, por fim, que nem todos os países são parecidos e que, therefore, é nosso direito explorar lugares diferentes como se fossem nossos – sob a pena de passar a vida sem co- nhecer os sofás da própria sala. Don’t you agree, Sinésio? Aprendi, mais tarde, a ver as deformidad­es oriundas da projeção de Mercator, que fazem, por exemplo, a Groenlândi­a parecer tão grande quanto a América do Sul, embora ela seja, de fato, oito vezes menor. In other words: foram os mapas que me ensinaram também que nem tudo é o que parece e por isso é preciso viajar muito – para ter a real dimensão das coisas –, e sem ideias preconcebi­das das culturas, dos hábitos e do modo de ser das pessoas.

Os mapas, enfim, servem para muito mais do que apenas ver onde estamos e para onde queremos ir: eles são a vida pendurada em paredes ou nas páginas dos livros. Só não deviam servir para que neles sejam postos alfinetes, uma prática de pessoas que, in fact, nunca viajam, mas apenas colecionam destinos.

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