O Estado de S. Paulo

Morre o diretor de filmes fortes e intensas trilhas musicais

Ele venceu o ‘Top Five’ por ‘O Silêncio dos Inocentes’ e fez todos aqueles documentár­ios sobre Talking Heads, Neil Young, Justin Timberlake

- Luiz Carlos Merten

Ele se iniciou em 1974, na escola de Roger Corman – o lendário produtor de filmes baratos –, com uma obra de título duvidoso. Confissões Íntimas de Um Presídio Feminino. Sim, dentro de certos limites o filme entregava a safadeza embutida no título. Veio depois Loucura de Mamãe,

que não valia muita coisa. Algo se passou em Pelos Meus Direitos,

de 1976, em que Peter Fonda lançava mão do arco para enfrentar mineradora que avançava sobre suas terras. Os anos 1980 foram melhores para Jonathan Demme – Melvin e Howard, Totalmente Selvagem, De Caso com a Máfia.

E aí, em 1990, houve o fenômeno O Silêncio dos Inocentes.

Silence of the Lambs. Com sua psicanális­e selvagem da ‘América’ – o canibal Hannibal Lecter ajuda a agente Clarice Starling, do FBI, a caçar serial killer –, Demme entrou para a seletíssim­a lista de cineastas que, em toda a história da Academia (Frank Capra nos anos 1930, Milos Forman nos 70), ganharam o Top Five, os cinco Oscars principais (melhor filme, diretor, ator, atriz e roteiro). Foi um acontecime­nto. A carreira seguiu ziguezague­ante, mas sempre com alguns bons filmes e admiráveis documentár­ios musicais. Ultima- mente, Demme andava sumido. Lutava contra um câncer do esôfago. Um comunicado da família anunciou ontem que ele morreu, aos 73 anos, em consequênc­ia de complicaçõ­es da doença, associadas a problemas no coração.

Ao longo desses pouco mais de 40 anos de carreira como realizador, Jonathan Demme adquiriu a fama de grande diretor de atores. Mary Steenburge­n foi melhor atriz coadjuvant­e por Melvin e Howard, Anthony Hopkins e Jodie Foster venceram melhor ator e atriz por O Silêncio dos Inocentes, Tom Hanks foi melhor ator por Filadélfia e Anne Hathaway foi indicada para melhor atriz por O Casamento de Rachel. Sem ligação com os prêmios da Academia, Melanie Griffith é gloriosa em Totalmente Selvagem e Michelle Pfeiffer nunca foi mais bela (e talentosa) do que em De Caso com a Máfia. Ambos os filmes, e Something Wild, especialme­nte, têm trilhas cultuadas. Foram precedidas pelo documentár­io Stop Making Sense, de 1984, sobre o Talking Heads.

Demme também dedicou documentár­ios a Neil Young ( Heart of Gold) e a Justin Timberlake (+ os Tennessee Kids). A paixão pela música levou-o a minimizar os diálogos e contar o desfecho de O Casamento de Rachel por meio das músicas na festa – que ocupa toda a parte final. E não se pode esquecer que Bruce Springstee­n ganhou o Oscar de canção por Streets of Philadelph­ia. Seus últimos filmes foram com Meryl Streep – o remake de Sob o Domínio do Mal/The Manchurian Candidate, que não envergonha a obra-prima de John Frankenhei­mer, e Ricki and the Flash – De Volta para Casa, em que Meryl faz roqueira que caiu na estrada e tenta retomar a relação com a filha, que está se casando.

Em 1993, Demme provocou polêmica com Filadélfia. Não era, como foi vendido, um filme sobre a luta de um soropositi­vo/Hanks, mas sobre um advogado hétero e possivelme­nte homofóbico/Denzel Washington que muda seu olhar em relação ao outro. Demme dizia – “Quando filmamos música, para mim essa é a forma mais pura de filmagem. Não há um roteiro que precisa ser seguido. A única narrativa é a própria música.” Pop, rock, latino. E ópera. Na cenachave de Filadélfia, Hanks põe para rodar (e dubla) a diva Maria Callas na ária La Mamma È Morta, de Andrea Chénier. Denzel Washington o olha com estranhame­nto, um pouco de desgosto. Esse olhar muda. Em momentos assim, intensos, despudorad­os, Demme deu todo sentido à mídia em que atuava.

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JAMES ESTRIN/THE NEW YORK TIMES O cineasta. Na carreira de mais de 40 anos adquiriu a fama de grande diretor de atores

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