Exército chavista mata jovem em ato diante de quartel
Sobe a 75 o número de mortos em onda de violência ligada à crise venezuelana; procuradora dissidente do chavismo promete investigação
O número de mortos na onda de violência ligada à crise venezuelana chegou ontem a 75, com o assassinato de um jovem de 22 anos. Militares dispararam à queima-roupa contra o peito de David José Valenilla enquanto ele protes- tava diante da base militar Generalísimo Francisco de Miranda, em Caracas.
O Ministério Público, chefiado pela chavista dissidente Lui-
sa Ortega Díaz, afirmou que investigará a morte, gravada em vídeo difundido na imprensa venezuelana. As imagens mostram um militar disparando contra o jovem através das grades.
Valenilla foi um dos milhares que saíram às ruas em apoio à procuradora-geral e contra a tentativa chavista de mudar a Constituição, em meio a uma forte reforma do governo chavista. Ele e amigos protestavam diante do quartel no bairro de Altamira.
O presidente do país, Nicolás Maduro, aposta na candidatura de membros da cúpula chavista para concorrer à Assembleia Constituinte de 30 de julho. Em meio a uma crise política e econômica, agravada por uma onda de protestos que dura quase três meses, Maduro concluiu na quarta-feira as mudanças de gabinete para montar o time de candidatos à Constituinte, nas quais se destacam o deputado Diosdado Cabello – homem forte do governo –, a ex-chanceler Delcy Rodríguez e a mulher do presidente, Cilia Flores.
Divisão. A Assembleia Constituinte é rechaçada por Luisa Ortega, que a considera um ataque à democracia. Outras figuras de menor protagonismo dentro do chavismo veem o processo como uma violação da herança do presidente Hugo Chávez, idealizador da atual Carta venezuelana, de 1999. A oposição diz que a votação é uma fraude com o objetivo de manter Maduro no poder de modo ilegítimo. “A Constituinte é para o PSUV, mas, sobretudo, para o ‘madurismo’. Mas ela será apenas um guia, uma desculpa para obter um maior poder de negociação, um refúgio para resistir”, diz o cientista político Michael Penfold.
Analistas advertiram que a iniciativa de Maduro, além de intensificar a crise, pode agravar a fissura aberta pela procuradora. “Provavelmente também acabará sendo uma manobra arriscada, um tiro que pode sair pela culatra”, acrescentou Penfold. “O governo está ameaçado na medida em que as divisões dentro do chavismo e da esfera militar se aprofundam.”
A coalizão opositora Mesa de Unidade Democrática (MUD) convocou os venezuelanos a desconhecer o governo e a Constituinte, e anunciou ontem o início da “fase decisiva” de sua ofensiva para retirar Maduro do poder, com uma marcha em apoio a Luisa Ortega.
A procuradora lidera um grupo de chavistas que sustenta que Maduro “está destruindo o legado” de Chávez. Ortega enfrentará um possível julgamento depois que o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) aceitou um recurso do deputado governista Pedro Carreño, que também pediu sua destituição por “insanidade mental’.
Além de Cabello, Rodríguez e Flores, também são candidatos a deputada e ex-ministra da Defesa Carmen Meléndez, o ex-vice-presidente Aristóbulo Istúriz e o ex-ministro e ex-governador Adán Chávez, irmão do presidente Chávez, morto em 2013. Cabello, vice-presidente do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), é mencionado por setores da oposição como o futuro presidente da Constituinte, com a qual ampliaria ainda mais a sua influência no governo, nas Forças Armadas e nos aparatos de Inteligência.
A Constituinte regerá o país por tempo indeterminado como um superpoder e será composta por 545 legisladores, que, segundo a oposição, serão eleitos por um sistema fraudulento que garantirá o controle pelo governo. Maduro avança com seu projeto de Constituinte, que considera fundamental para devolver a estabilidade política e econômica ao país. “A Constituinte de Maduro foi feita como um terno sob medida. Não vai resolver o problema das filas, nem do custo de vida, nem da insegurança”, disse ontem o opositor Julio Borges, presidente da Assembleia Nacional.
“A Constituinte é para o PSUV, mas, sobretudo, para o ‘madurismo’. Será apenas uma desculpa para obter maior poder de negociação” Michael Penfold CIENTISTA POLÍTICO