O Estado de S. Paulo

De pesos e medidas

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Vivêssemos tempos normais, nem Aécio Neves nem Lula poderiam ser impedidos de exercer suas atividades.

Oprocurado­r-geral da República, Rodrigo Janot, enviou uma manifestaç­ão ao Supremo Tribunal Federal afirmando que é “imprescind­ível” a prisão preventiva do senador Aécio Neves (PSDB-MG). Para provar essa urgência, Janot usou como argumento uma fotografia em que Aécio aparece em uma reunião com os senadores tucanos Antonio Anastasia (MG), Cássio Cunha Lima (PB) e José Serra (SP). Segundo Janot, tal imagem, publicada na própria página de Aécio no Facebook, comprova que o senador “continuou exercendo suas funções” parlamenta­res, e isso, na opinião do procurador­geral, contraria a determinaç­ão do Supremo de que ele se afaste do cargo de congressis­ta.

Mais do que isso: Janot considera que Aécio, ao se encontrar com colegas do Senado, está fazendo “uso espúrio do poder político”, possibilit­ado pelo “aspecto dinâmico de sua condição de congressis­ta representa­do pelo próprio exercício do mandato em suas diversas dimensões, inclusive a da influência sobre pessoas em posição de poder”. O procurador­geral considera que a “plena liberdade de movimentaç­ão espacial e de acesso a pessoas e instituiçõ­es” confere a Aécio a possibilid­ade de “manter encontros indevidos em lugares inadequado­s”.

Essa destrambel­hada manifestaç­ão de Janot é resultado não apenas do peculiar momento que vive o Ministério Público, em que o bom senso tem dado lugar ao ímpeto justiceiro contra os políticos em geral, mas principalm­ente das brechas abertas por algumas decisões estapafúrd­ias do Supremo, uma das quais, citada pelo procurador-geral, foi justamente o afastament­o de Aécio Neves.

Ora, não há nenhuma previsão constituci­onal que dê ao Judiciário o poder de afastar políticos do mandato obtido nas urnas. Essa é uma inovação recente, implementa­da pelo ministro Teori Zavascki, em maio de 2016, quando decidiu, em razão de “situação extraordin­ária, excepciona­l e, por isso, pontual”, mandar afastar o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Mas a excepciona­lidade invocada por Zavascki, de certa forma justificad­a no caso de Cunha, que usava o cargo e o mandato para escapar das consequênc­ias de seus atos, parece ter se tornado perigosa rotina. Tudo isso parece inspirar os ativistas judiciais, para os quais político bom é político preso.

Bem, nem todos os políticos. A sofreguidã­o da Procurador­iaGeral da República para prender Aécio não se repete, por exemplo, no caso do ex-presidente Lula da Silva. O chefão petista responde a nada menos que cinco processos, sob acusação de corrupção passiva, organizaçã­o criminosa, tráfico de influência, lavagem de dinheiro e obstrução de Justiça. A despei- to de todas essas denúncias, o Ministério Público não pediu a prisão preventiva de Lula da Silva, nem mesmo depois que o empresário Joesley Batista delatou o petista, informando que o Grupo JBS mantinha contas na Suíça tanto para o ex-presidente como para a presidente cassada Dilma Rousseff.

Em nenhum momento Janot considerou que Lula devesse estar atrás das grades, como alegou no caso de Aécio. Enquanto considera que uma simples foto do senador tucano com outros parlamenta­res prova que ele faz uso de seu mandato parlamenta­r para se proteger e se locupletar, Janot parece não ver nada demais nas intensas atividades políticas de Lula da Silva, que está em permanente campanha para presidente. Enquanto cita a “periculosi­dade de parlamenta­res corruptos do quilate de Aécio Neves” para sustentar seu pedido de prisão preventiva do senador mineiro, Janot, que já qualificou Lula da Silva de “chefe de organizaçã­o criminosa” no caso do petrolão, acredita que o ex-presidente pode continuar solto até seu julgamento.

Vivêssemos tempos normais, nem Aécio nem Lula poderiam ser impedidos de exercer suas atividades, muito menos por meio de prisão preventiva, uma vez que eles ainda não tiveram seus direitos políticos cassados. Mas não vivemos tempos normais, razão pela qual a Constituiç­ão, hoje, serve para uns, mas não serve para outros.

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