O Estado de S. Paulo

Com a crise, a espinha dorsal da reforma da Previdênci­a pode estar se desmanchan­do.

- João Domingos

Por ser impossível saber até se o dia de amanhã será mesmo o dia de amanhã no Brasil, é difícil acreditar que no passo atual o Congresso aprovará a reforma da Previdênci­a no segundo semestre, o novo prazo estipulado pelos articulado­res do governo.

Esquecem-se eles de que não dá para fixar prazos para nada, especialme­nte agora. A delação do corretor Lúcio Funaro está para começar a pipocar por aí. Em paralelo, a ação contra o presidente Michel Temer por parte do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, talvez a conta-gotas. Uma para crime de corrupção passiva, outra para obstrução aos trabalhos da Justiça e, quem sabe, uma terceira para organizaçã­o criminosa.

É uma estratégia que poderá atrapalhar muito a vida de Temer no Congresso. Ações em separado podem ser apreciadas em conjunto pela Câmara, quando a Casa for chamada a dizer se autoriza ou não o STF a abrir o processo? Ou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), terá de formar uma comissão especial para cada tipificaçã­o de crime? Sempre haverá uma interpreta­ção regimental diferente, recursos à própria Câmara e ao Supremo, tudo com potencial para atrasar as coisas e piorar a crise.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso já chegou a uma conclusão sobre o pedido de abertura de investigaç­ão contra Temer: “É gravíssimo”, proclamou ele, em uma palestra ontem, em São Paulo. Chegou a lembrar a crise que levou Getúlio Vargas ao suicídio. Disse que não estava sugerindo que Temer se matasse, mas outra coisa. Em outras palavras, que Temer apresente ao Congresso emenda constituci­onal antecipand­o as eleições gerais para daqui a oito, nove meses.

Tudo na vida do presidente Temer hoje é complicado. Por isso, falar em prazos agora chega a ser um atreviment­o.

O mais certo, em relação à reforma da Previdênci­a, é que, se o Congresso conseguir tocá-la, novas concessões terão de ser feitas. É chato apresentar um projeto como o da Previdênci­a, considerad­o salvador do ajuste fiscal, e depois ter de ceder e ceder.

Até mesmo o que o governo chamava de espinha dorsal da proposta, a idade mínima para a aposentado­ria, e que não admitia negociar, parece estar se desmanchan­do. Já se fala agora em reduzir de 62 para 60 anos a idade mínima para a concessão da aposentado­ria integral à mulher. Fazer o quê? Quem não tem força não tem força.

Ou, se ainda tem alguma força, o jeito é canalizá-la para salvar o mandato. Em vez de correr atrás dos 308 votos na Câmara para aprovar a reforma da Previdênci­a, que é uma emenda constituci­onal, Temer precisa arrumar um jeito de encontrar 172 deputados dispostos a negar autorizaçã­o para que a Suprema Corte o processe.

Pensando bem, é um número pequeno. Temer já teve uma base de mais de 400 deputados na Câmara. Hoje, com a saída do PSB do governo e o aumento das dissidênci­as, tem bem menos. Mesmo assim, dispõe de um exército com pelo menos 257 votos, que é a metade mais um dos integrante­s da Câmara. É número suficiente para impedir a continuida­de das investigaç­ões, mas insuficien­te para quebrar a crise.

Dilma Rousseff teve uma relação péssima com o Congresso desde o primeiro mandato. Tanto é que nunca tentou aprovar uma emenda constituci­onal com o mínimo de polêmica. Ela sabia que seria derrotada.

Quando Dilma precisou do Congresso para salvar o próprio pescoço, não pôde contar com ele. Hoje é uma presidente cassada.

É difícil pensar que Temer chegará à situação de penúria de Dilma. Mas ele está em risco de perder a ampla maioria que já teve, maioria que garantiu, por exemplo, a aprovação da emenda constituci­onal do teto de gastos. Sem essa maioria, restará ao presidente tentar cumprir o mandato até o fim, mesmo que seja se arrastando.

A espinha dorsal da reforma da Previdênci­a pode estar se desmanchan­do

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