Não é fácil definir o melhor destino para nossos primos chimpanzés aposentados.
Ser o primo do Homo sapiens não é fácil. Os chimpanzés que o digam. Somos predadores, demonstramos pouco respeito por outras espécies. Nossos ancestrais devoravam nossos primos com a mesma displicência que engoliam uma banana. Mais tarde, com a dita civilização, começamos a respeitar cachorros e a valorizar pássaros. Aos poucos estamos descobrindo que nossa sobrevivência depende da saúde do planeta. Hoje sabemos que os chimpanzés são nossos parentes mais próximos.
O parentesco nos levou a respeitar a vida desses animais, mas também descobrimos que por essa mesma razão eles são os animais ideais para testarmos medicamentos. O único animal mais adequado que um chimpanzé para testar medicamentos é o Homo sapiens. Entre os menos adequados estão porcos e roedores. Animais distantes não servem. Você aceitaria tomar um medicamento testado em uma ostra?
Isso levou milhares de chimpanzés ao cativeiro e às bancadas de laboratório. Fora algumas aberrações, cientistas que utilizam chimpanzés não o fazem sem um sentimento de culpa. Muitos acabam amigos desses animais, algo impossível de ocorrer com ratos ou camundongos. Nossos primos eram capturados na selva, enjaulados e levados aos laboratórios. Por volta de 1960 a crueldade dessa prática levou à criação de chimpanzés em cativeiro. Muitos desses animais nunca conheceram uma árvore.
Em 1970 a indignação com o uso de chimpanzés levou os cientistas a estudar quão melhores eles eram que cães, porcos ou ratos. A conclusão foi que em muitos casos a vantagem de utilizar chimpanzés não se justificava e seu uso foi aos poucos diminuindo. Tudo mudou por volta de 1980 com o surgimento da aids e a necessidade de desenvolver novos medicamentos. Na década seguinte os chimpanzés voltaram aos laboratórios e foram essenciais para o desenvolvimento das drogas que controlam a doença, pois seu sistema imune é semelhante ao nosso. Passado o susto da aids, as campanhas contra o uso de chimpanzés voltaram com força total.
Foi em 2013 que o governo americano finalmente decidiu que não financiaria mais pesquisas com chimpanzés. Era necessário aposentar os mais de 1.200 chimpanzés que habitavam os laboratórios. Nunca se pensou em simplesmente sacrificar os primos. Eles teriam direito de se aposentar e viver o resto das vidas em liberdade.
Os defensores dos chimpanzés decidiram construir santuários, grandes áreas onde esses animais poderiam ser libertados. Os santuários foram construídos e hoje abrigam metade dos chimpanzés. Os dois maiores alojam 200 cada. A outra metade continua nos laboratórios.
Mas porque ainda existem chimpanzés em laboratórios? Parte da razão é que os santuários têm dificuldade em conseguir os US$ 20 mil anuais necessários para manter um chimpanzé. Além disso muitos cientistas reclamam que a condição dos santuários, onde os animais são obrigados a viver em grupos, disputar comida e interagir socialmente com os outros animais, é simplesmente uma enorme crueldade imposta aos que nasceram, cresceram e sempre viveram em cativeiros. Muitos enlouquecem.
Outra razão é que parte de nossos primos é de idosos, portadores de doenças crônicas e sequelas dos experimentos. Seus cuidadores acham que os animais são mais felizes desfrutando sua terceira idade no mesmo ambiente, tratados pelas mesmas pessoas. Esses cientistas se recusam a enviar seus chimpanzés aos santuários, exigindo que antes seja demonstrado que os animais serão mais felizes no novo ambiente. E isso é difícil de demonstrar. Outros cientistas simplesmente adotam seus chimpanzés e os levam para casa, como fariam com um parente idoso, mas isso é ilegal.
A conclusão é de que não é fácil definir qual o melhor destino para os primos aposentados. Os cientistas que conviveram com eles por anos e novos defensores não conseguiram encontrar uma solução.
São necessários US$ 20 mil anuais para manter um chimpanzé aposentado
SÁBADO, 24 DE JUNHO DE 2017
MAIS INFORMAÇÕES: CHIMPS IN WAITING. SCIENCE, VOL. 356, PÁG. 1.114 (2017)