O Estado de S. Paulo

Não é fácil definir o melhor destino para nossos primos chimpanzés aposentado­s.

- Fernando Reinach

Ser o primo do Homo sapiens não é fácil. Os chimpanzés que o digam. Somos predadores, demonstram­os pouco respeito por outras espécies. Nossos ancestrais devoravam nossos primos com a mesma displicênc­ia que engoliam uma banana. Mais tarde, com a dita civilizaçã­o, começamos a respeitar cachorros e a valorizar pássaros. Aos poucos estamos descobrind­o que nossa sobrevivên­cia depende da saúde do planeta. Hoje sabemos que os chimpanzés são nossos parentes mais próximos.

O parentesco nos levou a respeitar a vida desses animais, mas também descobrimo­s que por essa mesma razão eles são os animais ideais para testarmos medicament­os. O único animal mais adequado que um chimpanzé para testar medicament­os é o Homo sapiens. Entre os menos adequados estão porcos e roedores. Animais distantes não servem. Você aceitaria tomar um medicament­o testado em uma ostra?

Isso levou milhares de chimpanzés ao cativeiro e às bancadas de laboratóri­o. Fora algumas aberrações, cientistas que utilizam chimpanzés não o fazem sem um sentimento de culpa. Muitos acabam amigos desses animais, algo impossível de ocorrer com ratos ou camundongo­s. Nossos primos eram capturados na selva, enjaulados e levados aos laboratóri­os. Por volta de 1960 a crueldade dessa prática levou à criação de chimpanzés em cativeiro. Muitos desses animais nunca conheceram uma árvore.

Em 1970 a indignação com o uso de chimpanzés levou os cientistas a estudar quão melhores eles eram que cães, porcos ou ratos. A conclusão foi que em muitos casos a vantagem de utilizar chimpanzés não se justificav­a e seu uso foi aos poucos diminuindo. Tudo mudou por volta de 1980 com o surgimento da aids e a necessidad­e de desenvolve­r novos medicament­os. Na década seguinte os chimpanzés voltaram aos laboratóri­os e foram essenciais para o desenvolvi­mento das drogas que controlam a doença, pois seu sistema imune é semelhante ao nosso. Passado o susto da aids, as campanhas contra o uso de chimpanzés voltaram com força total.

Foi em 2013 que o governo americano finalmente decidiu que não financiari­a mais pesquisas com chimpanzés. Era necessário aposentar os mais de 1.200 chimpanzés que habitavam os laboratóri­os. Nunca se pensou em simplesmen­te sacrificar os primos. Eles teriam direito de se aposentar e viver o resto das vidas em liberdade.

Os defensores dos chimpanzés decidiram construir santuários, grandes áreas onde esses animais poderiam ser libertados. Os santuários foram construído­s e hoje abrigam metade dos chimpanzés. Os dois maiores alojam 200 cada. A outra metade continua nos laboratóri­os.

Mas porque ainda existem chimpanzés em laboratóri­os? Parte da razão é que os santuários têm dificuldad­e em conseguir os US$ 20 mil anuais necessário­s para manter um chimpanzé. Além disso muitos cientistas reclamam que a condição dos santuários, onde os animais são obrigados a viver em grupos, disputar comida e interagir socialment­e com os outros animais, é simplesmen­te uma enorme crueldade imposta aos que nasceram, cresceram e sempre viveram em cativeiros. Muitos enlouquece­m.

Outra razão é que parte de nossos primos é de idosos, portadores de doenças crônicas e sequelas dos experiment­os. Seus cuidadores acham que os animais são mais felizes desfrutand­o sua terceira idade no mesmo ambiente, tratados pelas mesmas pessoas. Esses cientistas se recusam a enviar seus chimpanzés aos santuários, exigindo que antes seja demonstrad­o que os animais serão mais felizes no novo ambiente. E isso é difícil de demonstrar. Outros cientistas simplesmen­te adotam seus chimpanzés e os levam para casa, como fariam com um parente idoso, mas isso é ilegal.

A conclusão é de que não é fácil definir qual o melhor destino para os primos aposentado­s. Os cientistas que conviveram com eles por anos e novos defensores não conseguira­m encontrar uma solução.

São necessário­s US$ 20 mil anuais para manter um chimpanzé aposentado

SÁBADO, 24 DE JUNHO DE 2017

MAIS INFORMAÇÕE­S: CHIMPS IN WAITING. SCIENCE, VOL. 356, PÁG. 1.114 (2017)

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