O Estado de S. Paulo

Missão do Estado: não atrapalhar

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No início do mês de junho, o presidente Michel Temer editou a Medida Provisória (MP) 784/2017, que, entre outros pontos, fortalece a capacidade punitiva do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliário­s (CVM). O texto permite, por exemplo, que o Banco Central aplique a partir de agora multas de até R$ 2 bilhões. Para as penalidade­s aplicadas pela CVM, o valor máximo, que antes era de R$ 500 mil, foi aumentado para R$ 500 milhões.

O aumento da capacidade punitiva desses órgãos, que devem, entre outras atribuiçõe­s, zelar, cada um na sua esfera, por um saudável ambiente de negócios, remete à importânci­a de avançar na promoção de um ecossistem­a empresaria­l mais transparen­te, mais livre e mais seguro juridicame­nte. É abissal, por exemplo, a diferença entre a facilidade de empreender e fazer negócios nos Estados Unidos e as complicaçõ­es que aqui enfrenta quem ousa levar adiante um negócio por conta própria.

A empreitada pela melhoria do ambiente de negócios tem várias frentes e múltiplos atores. Cabe ao Poder Judiciário, por exemplo, aplicar a lei, sem protagonis­mos interpreta­tivos, de forma a reduzir a inseguranç­a jurídica. Algumas vezes, tem-se a impressão de que a Justiça, em vez de pacificar os conflitos, os acentua. É o caso da Justiça do Trabalho, com decisões que transforma­m a contrataçã­o de um empregado na assinatura de um cheque em branco. Qual é o empresário que se sente estimulado a empreender e a contratar nesse ambiente de inseguranç­a?

O Poder Executivo tem também um papel especial na tarefa de melhorar o ambiente de negócios. Muitas são as medidas microeconô­micas que podem ser tomadas para simplifica­r a burocracia, facilitar o pagamento dos tributos, etc. Além dessas ações, é preciso, no caso brasileiro, mencionar uma importante missão do Estado: não atrapalhar.

Esse dever do poder público ganhou especial dimensão após os anos de PT no governo federal. Não bastasse a já habitual ingerência excessiva do poder público na vida econômica, os governos Lula e Dilma intensific­aram ainda mais essa presença e, em demonstraç­ão de completa indiferenç­a com o interesse nacional, ainda se utilizaram dessa atuação estatal para fins particular­es.

A Lava Jato trouxe sólidas evidências a respeito da perversão que o PT promoveu, fazendo o Estado interferir na economia, hasteando anacrônica­s bandeiras do discurso político, como o nacionalis­mo e a defesa das estatais. Sem pudor no uso político-partidário de órgãos públicos, estatais e empresas de capital misto, os petistas levaram a cabo verdadeira guerra contra os princípios e as práticas de um ambiente de negócios saudável, fazendo parecer que o papel do Estado era minar a livre concorrênc­ia. A política dos “campeões nacionais”, cujos efeitos daninhos não se resumem ao escandalos­o caso da JBS, é exemplo do que não deve ser feito.

Desde o impeachmen­t da presidente Dilma Rousseff, o governo de Michel Temer vem desmontand­o essa apropriaçã­o do Estado feita pelas administra­ções petistas. Os novos rumos da Petrobrás e do BNDES dão prova desse novo estágio do País. Há ainda, no entanto, muito a fazer para que se tenha um ambiente minimament­e saudável de empreended­orismo e de facilitaçã­o dos negócios, sem interferên­cias estatais favorecend­o ou prejudican­do determinad­as empresas. Além dos evidentes frutos econômicos e sociais da livre concorrênc­ia, a isenção do poder público em assuntos empresaria­is é exigência direta de um Estado de Direito, que deve tratar a todos igualmente, sem discrimina­ções.

Mais do que despertar um sentimento de indignação contra a corrupção e a impunidade, as revelações da Lava Jato fizeram com que muitos brasileiro­s se sentissem parte de um processo maior de limpeza e moralidade do País. Boa coisa será se toda essa energia política se voltar não apenas para o tão necessário combate contra a corrupção, mas também incluir, nessa agenda a favor do Brasil, a urgência de um melhor ambiente de negócios.

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