O Estado de S. Paulo

Como evitar um banho de sangue na Venezuela

SÃO DIRETORES DA HUMAN RIGHTS WATCH

- Daniel Wilkinson e José Miguel Vivanco / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK /

Com a economia em frangalhos e a insatisfaç­ão em alta, o regime de Nicolás Maduro parece perto do fim. Não está claro como isso ocorrerá. Alguns esperam uma transição pacífica. Outros temem um banho de sangue. Maduro não mostrou inclinação para restaurar a democracia. Ano passado, ele bloqueou eleições, prendeu líderes opositores e reprimiu protestos. A transição pacífica depende de até onde os militares estão dispostos a ir para mantê-lo no poder.

No mês passado, vieram a tona gravações secretas de generais venezuelan­os. “Chegará um momento em que teremos de usálos”, diz um deles, referindo-se ao uso de atiradores de elite em manifestaç­ões. “Se você me disser para ir láeu vou. Mas sei que amanhã poderemos nos encontrar na cadeia”, responde outro.

Até recentemen­te, esses oficiais tinham pouca razão para se preocupar. A última vez que Maduro realizou uma repressão prolongada a protestos, em 2014, a procurador­a Luisa Ortega não fez nenhum esforço para processar os abusos das forças de segurança. Agora, porém, ela começou a falar em direitos dos manifestan­tes. No mês passado, Ortega se queixou das detenções arbitrária­s e requisitou que os tribunais soltassem dezenas de presos. Em maio, ela anunciou que abrirá processo contra dezenas de membros de forças de segurança por abusos. Mais recentemen­te, ela questionou a legalidade da proposta de Maduro de reescrever a Constituiç­ão, bem como a nomeação de juízes prógoverno ao Tribunal Supremo de Justiça.

Por que a súbita preocupaçã­o com o estado de direito? Muitas coisas mudaram desde 2014 – cresceram a insatisfaç­ão e a escassez de comida e remédios. Mas há outras mudanças: governos regionais começaram a denunciar o regime. Em 2014, os EUA impuseram sanções a funcionári­os venezuelan­os implicados em corrupção e crimes contra os direitos humanos. As sanções deram às autoridade­s a primeira razão para temer a cadeia. Juntas, essas respostas mudaram o custo-benefício da cumplicida­de com os abusos.

Durante crises na América Latina, sempre houve os que defenderam que a demanda por justiça dissuadiri­a a repressão. Mas, dado que Maduro está determinad­o a se agarrar ao poder, a prioridade deve ser impedilo de aumentar a repressão. Qualquer governo que dependa de atiradores de elite para conter a população chegará ao fim quando seus oficiais recusarem a ordem de atirar.

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