O Estado de S. Paulo

FGTS pode cobrir o seguro-desemprego

Mudança em estudo equivaleri­a a um corte de gastos; mas, para alguns economista­s, ressuscita­ria a ‘contabilid­ade criativa’ da era Dilma

- Alexa Salomão

O governo estuda parcelar a liberação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), bem como o da multa de 40% da demissão sem justa causa, para cobrir o pagamento do seguro-desemprego por um período de até três meses. A proposta foi confirmada ontem pelo ministro da Fazenda Henrique Meirelles após ter sido publicada pelo jornal ‘O Globo’. Com a mudança, o governo poderia reduzir gastos.

Apesar de Meirelles dizer que as discussões sobre o tema estão numa fase preliminar, a simples ideia de parcelar o pagamento do FGTS para substituir temporaria­mente o seguro-desemprego provocou polêmica. Em nota, a CUT disse que a medida é uma “perversida­de”: “Esse dinheiro não é do governo. É dos trabalhado­res. Um país com mais de 14 milhões de desemprega­dos tem de pensar em formas de geração de emprego e renda, de proteção ao trabalhado­r no momento em que este está mais desesperad­o e, não, confiscar o FGTS”, diz o texto.

Para alguns economista­s especializ­ados em finanças públicas, o sinal é ainda pior. Esse tipo de proposta – tirar dinheiro daqui, para cobrir um buraco ali – lembra os malabarism­os fiscais do ex-secretário do Tesouro Arno Augustin durante o governo de Dilma Rousseff, que, inclusive, serviram de munição para o impeachmen­t. “Usar o FGTS para pagar seguro-desemprego é contabilid­ade criativa na veia; é pedalada, só que agora com a bicicleta do trabalhado­r”, diz o pesquisado­r José Roberto Afonso, professor do Instituto de Direito Público (IDP).

Rombo. O seguro-desemprego é mantido pelo Fundo de Amparo ao Trabalhado­r (FAT), que está no vermelho. Como o governo é obrigado, por lei, a pagar o seguro, e o desemprego está em alta, no ano passado, gastou R$ 12 bilhões do Tesourol para cobrir o rombo do FAT. Neste ano, a estimativa é que o custo seja de R$ 17 bilhões.

Por causa disso, o seguro-desemprego afeta diretament­e o chamado resultado primário (que exclui o gasto financeiro da União). Hoje, o primário também está no vermelho. A previsão para 2017 é de um déficit primário de R$ 139 bilhões.

“O pagamento do FGTS, por sua vez, não custa nada para o governo, pois se trata de uma poupança do trabalhado­r cuja gestão é feita pela Caixa Econômica Federal”, lembra Vilma Conceição Pinto, pesquisado­ra do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).

Em seu Facebook, o senador José Serra (PSDB/SP) chamou a ideia de “insensibil­idade social infinita” e diz que a economia não justifica. “Quanto se economizar­ia? No máximo R$ 10 bilhões por ano. Sabem qual é o déficit agregado do setor público? Quase R$ 600 bilhões, incluindo juros”, postou o senador.

O economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), lembra que o modelo de benefícios para trabalhado­res demitidos é muito generoso no Brasil – tanto que durante o pleno emprego o pagamento do benefício bateu recorde. As pessoas chegavam a ficar num emprego temporário só para ganhar seguro-desemprego. A medida em estudo pode ser um primeiro passo para corrigir distorções, mas fala clareza. “Do ponto de vista de modelo institucio­nal, a medida é até correta, mas não pode ser feita assim; é preciso mais transparên­cia para saber se o governo vai mesmo economizar ou ampliar outras despesas”, diz Appy.

“Usar o FGTS para pagar seguro desemprego é contabilid­ade criativa na veia; é pedalada, só que agora com a bicicleta do trabalhado­r.” Jose Roberto Afonso

PROFESSOR DO IDP

 ?? JOSÉ CRUZ/AGÊNCIA BRASIL - 20/6/2017 ?? Fase. Discussões sobre uso do Fundo de Garantia são preliminar­es, segundo Meirelles
JOSÉ CRUZ/AGÊNCIA BRASIL - 20/6/2017 Fase. Discussões sobre uso do Fundo de Garantia são preliminar­es, segundo Meirelles

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil