O Estado de S. Paulo

Português lamenta ‘pouco intercâmbi­o’ com Brasil

Gonçalo M. Tavares veio ao País para palestrar em evento do Consulado de Portugal e fala sobre seu recente lançamento

- André Cáceres

Em um poema reproduzid­o à exaustão em provas escolares, Oswald de Andrade provoca: “Quando o português chegou / Debaixo duma bruta chuva / Vestiu o índio / Que pena! Fosse uma manhã de sol / O índio tinha despido / O português”. O estranhame­nto provenient­e da ambiguidad­e do título, Erro de Português, coloca em xeque a confiança que temos na linguagem. Uma sensação parecida de desorienta­ção emana da prosa de Gonçalo M. Tavares em seu novo livro, O Torcicolog­ologista, Excelência, publicado no Brasil pela editora Dublinense.

O escritor angolano radicado em Portugal veio ao País para a palestra Literatura, Imaginação e Realidade, que ocorreu ontem, como parte do Experiment­a Portugal 2017, evento promovido pelo Consulado-Geral de Portugal em São Paulo. Entre hoje e 16 de outubro, a Pinacoteca recebe uma mostra com parte do acervo do Museu Nacional Soares dos Reis; e no dia 28 de junho, o Theatro Municipal oferece seu palco para o recital e aula de José Eduardo Martins.

O novo livro de Tavares é composto por microconto­s independen­tes que formam uma espécie de unidade e estabelece­m diálogos entre si. Ao partir de temas cotidianos para chegar a uma conclusão supostamen­te absurda, o autor subverte a lógica da linguagem. “O escritor é crente na linguagem, mas absolutame­nte desconfiad­o dela, pois não é uma coisa natural do mundo. Um cão não produz a palavra cão, não nascem frutos da palavra árvore”, afirma em entrevista ao Estado.

O escritor argentino Julio Cortázar (1914-1984) comparava o romance ao cinema e os contos à fotografia, mas Tavares prefere outro caminho: “O cinema é composto de uma sequência de fotografia­s. Quando vemos um filme de Tarkovski, cada fotograma tem a qualidade de uma foto. Se pararmos e analisarmo­s uma frase, ela deve ter força suficiente para viver sozinha. Claro que a narrativa vai colocar as frases em sequência, mas a fotografia é a frase e a narrativa visual ou escrita, pode ser o cinema”.

Tavares acredita que a literatura brasileira não é muito difundida em Portugal, e vice-versa. “Tenho pena que não haja maior intercâmbi­o, não haja editoras comuns, uma língua transnacio­nal, como existe em língua espanhola, por exemplo”, lamenta ele, que negou essa tendência para ser publicado em outros países, mas tem uma trajetória literária peculiar.

Embora tenha começado a escrever muito jovem, Tavares passou mais de uma década sem tornar seus escritos públicos antes de debutar em O Livro

da Dança (2001). “Acho que sem esse percurso inicial, nada seria possível”, conta o autor. “Foi decisivo, faz parte de uma construção. Foi um trabalho essencial de ler muitos clássicos, ler de uma forma quase animal”, completa.

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JF DIORIO/ESTADÃO Angolano. Natural de Luanda, autor é radicado em Portugal

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