O Estado de S. Paulo

Michel Reilhac e o futuro que chegou

Especialis­ta francês fala dos avanços que vão massificar a VR, Realidade Virtual, nos próximos anos

- Luiz Carlos Merten

Michel Reilhac vive e trabalha no circuito entre Paris, Berlim, Amsterdam e a ilha de Lamu, no Quênia, onde pretende estabelece­r uma residência permanente para roteirista­s. Michel quem? Reilhac é hoje uma das maiores autoridade­s em realidade virtual do mundo. VR – a sigla torna-se cada vez mais conhecida. Avança. Representa o futuro e Reilhac, como integrante da delegação francesa no recente Festival Varilux, veio dizer que o futuro já chegou. “Em todo o mundo, as grandes companhias investem muito dinheiro em experiment­os de VR. Dentro de dois ou três anos, uma empresa dos EUA vai lançar um novo modelo de óculos que vai massificar a VR. Depois disso, nossa experiênci­a de ver e sentir as coisas será radicalmen­te transforma­da.”

Coisa de ficção científica. Reilhac admite que se decepciono­u com A Vigilante do Amanhã, exceto com os hologramas que saltavam na tela como representa­ção futurista da megalópole de Tóquio. “Vi agora em Cannes uma outra versão de Ghost in the Shell, diretament­e adaptada da experiênci­a visual dos comics e era muito mais ousada.” Também no Festival de Cannes o mexicano Alejandro González Iñárritu mostrou seu filme em realidade virtual, exibido numa programaçã­o especial, à margem do evento. Quando você ouve a propaganda da Sala Imax, preparando a audiência para uma experiênci­a imersiva – “Você pode ver um filme ou fazer parte dele” –, pode ter uma ideia, meio pálida, do que Inárritu montou.

“O mais impression­ante no experiment­o dele é que combina um cenário real com as sensações que as novas tecnologia­s oferecem.” Num hangar deserto, Iñárritu montou uma extensão de areia. O espectador é solicitado a tirar os sapatos e, com os pés descalços, vive, por meio dos óculos VR, a sensação de estar tentando atravessar a fronteira dos EUA. Intervém, de forma brutal, a polícia. O espectador sente-se vulnerável. O policial virtual – mas ele é tão verdadeiro – coloca a arma na sua cara. Tem gente que grita, chora. A radicalida­de da experiênci­a torna-a visceral.

Reilhac não só pesquisa a VR. Também é diretor. “Comecei fazendo filmes planos (em 2D) e evoluí para essa forma, primeiro como curiosidad­e e hoje, realmente, atraído por suas possibilid­ades narrativas. Nossa percepção audiovisua­l mudará totalmente quando a VR deixar de ser exceção. O que me interessa é provar que se trata de uma ferramenta narrativa, e das mais eficientes.” Por enquanto, os filmes em VR são geralmente curtos. Uma rara experiênci­a de longa é um filme contando a vida de Jesus, filmado nos mesmos lugares em que Pier Paolo Pasolini fez O Evangelho Segundo Mateus. “Do ponto de vista técnico, é muito interessan­te, mas também é tosco. Atrai muito mais como curiosidad­e.”

Ele próprio é autor de um pequeno filme que integrou a Mostra Realidade Virtual do Varilux 2017. Viens! , Vem!, correaliza­do com Mélanie Le Grand, tem 12 min. É um filme de sexo (explícito?) que Reilhac define como seu “poema tântrico”. Ousado, difere bastante de Love, o sexo em terceira dimensão de Gaspar Noë. Sintetiza o conceito do que o autor chama de ‘interactiv­e storytelli­ng’, narração interativa. “Fiz minha primeira instalação em realidade virtual em 1992, em Le Fresanoy, um centro francês que abriga artistas contemporâ­neos. Naquele momento, estávamos dando só os primeiros passos. A grande mudança veio quando Facebook adquiriu Oculus em março de 2014 e investiu bilhões na pesquisa de um novo modelo mais dinâmico de óculos, que, esse, sim, vai revolucion­ar a realidade virtual. É coisa para poucos anos. Esses óculos terão hastes não muito distintas das de óculos comuns, mas que serão sensíveis, modificand­o nossa relação com a realidade ao redor.”

Para Reilhac, o que interessa não é a realidade virtual em si, mas sua utilização na busca por novas formas imersivas de narração. “Desde 2014, quando comecei a me dedicar inteiramen­te a isso, foi preciso inovar. Como não havia esse tipo de tecnologia de ponta em Paris, na época, comprei 14 câmeras GoPro e me associei a um técnico inglês muito engenhoso, Carl Guyenette. Era preciso começar com alguma coisa, para aprender. Em maio de 2015 fizemos o Viens! E, em junho, Rooftop, com os bailarinos do Centro Nacional de Dança. Fizemos um terceiro experiment­o em Berlim, Wait for Me. De alguma forma, era preciso mostrar esse trabalho. Foi quando veio o convite do Sundance para apresentar Viens!, em janeiro de 2016. Depois disso, as coisas têm andado mais rápidas.”

Viens! nasceu do desejo de Reilhac de utilizar a VR para experiment­ar formas de narração íntimas. “Queria criar empatia e forçar os limites da nudez.” Reilhac fala de fluidez entre gêneros e preferênci­as sexuais como ‘forma de libertação dos limites do que é considerad­o normal’. Não é o tradiciona­l filme de sexo, mas “uma tentativa de compartilh­ar com o outro o nosso ponto de vista”. E o diretor esclarece – “A VR não é só uma nova plataforma de narração, ela carrega, intrínseco, esse caráter imersivo. De repente, você não está assistindo a uma representa­ção do mundo. Está quebrando a quarta parede e experiment­ando a sensação de uma nova realidade.” Tudo isso se consegue captando as imagens com muitas câmeras e por meio de uma edição muito distinta da dos filmes planos e, mesmo, de 3D. A grande diferença, Reilhac esclarece, é que nos filmes planos só uma parte da realidade é captada.

“Sempre se disse de certos grandes autores que eram criadores de imagens, porque mostravam ao público só o que queriam. Com a VR, a filmagem é total. O campo visual é de 360 graus e é necessária muita preparação para captar tudo. E, depois, tem a complicaçã­o adicional de iluminar, também tudo. O segredo é a preparação, mas, no fundo, tudo depende do olhar do diretor. Muita gente conseguiu criar universos nunca vistos em 2D. Se o diretor é bom, a experiênci­a é forte. Se não, é fraca. O importante é que todo um novo mundo está sendo escancarad­o para nós.”

Ficou fascinado por São Paulo. “Desci da Sé até a República e me senti dentro de Blade Runner (a fantasia de Ridley Scott). Futurismo déco. O arrojo e a decadência. Daria um filme sensaciona­l” – que ele promete voltar, e fazer.

Desci da Sé até a República e me senti dentro de Blade Runner (a fantasia de Ridley

Futurismo déco. O arrojo e a decadência. Sem dúvida, daria um filme sensaciona­l”

Em breve, uma empresa dos EUA vai lançar novo óculos que vai massificar a VR. Depois disso, a experiênci­a de ver e sentir as coisas será radicalmen­te transforma­da”

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JASIN BOLAND/PARAMOUNT PICTURES AND DREAMWORKS PICTURES Scarlett Johansson. ‘A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell’ ousa com hologramas que representa­m Tóquio no futuro
 ?? FRANCISCO CEPEDA ?? Experiênci­a. Jovens em São Paulo na mostra de filmes de VR e Reilhac no cartaz do evento
FRANCISCO CEPEDA Experiênci­a. Jovens em São Paulo na mostra de filmes de VR e Reilhac no cartaz do evento

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