Desejo de mudanças
Opositor leva às ruas multidão, em grande parte jovens entre os quais predomina sentimento de que seu futuro foi sequestrado pela corrupção
s duas da tarde de 12 de junho, Elizaveta Chukicheva, de 16 anos, aluna de uma escola técnica de Moscou, permanecia parada no meio da Rua Tverskaya, no centro da cidade, junto a uma reprodução gigante de um ídolo da antiguidade pagã russa. Tinha na mão um cartaz com os dizeres: “Eu amo a Rússia”, e vestia uma camiseta com a imagem do líder oposicionista Alexei Navalni.
Contrariando a orientação dos pais, ela resolvera ir a um comício convocado por Navalni no Dia Nacional da Rússia, com o objetivo de protestar contra a corrupção e promover sua candidatura a presidente na eleição de 2018. “Meus pais falam que a gente não tem como mudar nada e não há perspectivas para este país”, diz a moça. “Mas eu não quero ir embora da Rússia e acredito que a gente pode, sim, mudar as coisas.”
Horas antes, Navalni tinha sido detido em frente ao prédio onde mora, sob a acusação de organizar um comício “não autorizado”. Autoridades moscovitas haviam autorizado a realização do evento em outro local, mas então, segundo o líder oposicionista, passaram a sabotálo, impedindo que as locadoras alugassem os materiais necessários para montar um palanque.
Receando que, num evento com ares amadorísticos, ele emergisse como uma figura ridícula, e não como um candidato à presidência, Navalni orientou seus correligionários a se dirigirem à Rua Tverskaya, para onde seria transferido o comício.
No local, o Kremlin havia bloqueado o trânsito para um festival celebrando o “Passado Vitorioso da Rússia” (daí o ídolo pagão). A rua estava ocupada por reconstruções históricas de triunfos militares, dos tempos de Ivã, o Terrível, à 2.ª Guerra (A Guerra da Crimeia também estava representada, muito embora os russos tenham sido derrotados no conflito travado entre 1853 e 1856).
Ao chegar à Rua Tverskaya, os manifestantes de Navalni – muitos jovens que jamais viveram sob outro governo que não o de Vladimir Putin – viram-se cercados por pessoas vestidas com armaduras medievais, mantos czaristas do século 19 e fardas do Exército e da polícia secreta da era stalinista.
Quando se puseram a gritar coisas como “Rússia sem Putin!” e “O poder aqui somos nós!”, os cavaleiros medievais correram em busca de um lugar para se esconder e, em seu lugar, entrou em ação o batalhão de choque da polícia, usando cassetetes para fazer os manifestantes recuar.
Por mais surreal que tenha sido, a cena sintetiza o embate político em curso na Rússia. O regime retrógrado de Putin, que tenta se legitimar restaurando símbolos do passado imperial, está sendo desafiado por uma nova geração de russos, entre os quais predomina o sentimento de que seu futuro foi sequestrado pela corrupção, pela hipocrisia e pelas mentiras da elite no poder.
O símbolo dos protestos é um pato de borracha, alusão a um documentário divulgado por Navalni em março, em que o oposicionista acusa o primeiroministro, Dmitri Medvedev, de corrupção. O vídeo mostra as propriedades suntuosas de Medvedev, uma das quais exibe, no meio de um lago, a casinha de um pato de estimação. Medvedev nega as acusações.
Há alguns anos, um vídeo desse tipo teria provocado risadas. Agora, causa indignação. “Somos diferentes da geração de nossos pais, já que não temos futuro”, diz um dos jovens manifestantes. Embora não concorde com o nacionalismo de Navalni, o rapaz vê nele a melhor oportunidade de mudança.
A decisão de mudar o comício para um local não autorizado foi arriscada. Mesmo aos olhos de alguns dos simpatizantes de Navalni, foi uma provocação. Mas o objetivo era mostrar que as regras que o Kremlin estabeleceu para a atuação política na Rússia, e os esforços que o governo vem fazendo para ex-