O Estado de S. Paulo

Um painel bastante heterodoxo da França profunda

- Luiz Zanin Oricchio

Otítulo do filme, Na Vertical (Rester Vertical, no original francês), só se explica no final. Quer dizer, explica-se um pouco, e até certo ponto, já que este novo filme de Alain

Guiraudie é cercado de mistério. Tom que aumenta sua potência, ao desafiar o espectador tanto do ponto de vista intelectua­l como sensorial.

Trata-se, também, de um desafio para a crítica. Como em seu longa anterior, O Estranho no Lago, também neste, Guiraudie enfrenta o desafio das imagens explícitas de sexo, sem ser de maneira alguma vulgar. Neste, no entanto, ele adensa o sentido de enigma e potenciali­za a linguagem alusiva dos personagen­s, procedimen­tos que dão ao filme uma consistênc­ia ainda maior que a do anterior.

Embora desafiador quanto à possibilid­ade de se deixar resumir numa sinopse, vale tentar algumas indicações. O suposto protagonis­ta, Leo (Damien Bonnard), é um cineasta que ronda pelo interior da França em busca de ideias para seu próximo

filme. Conhece na beira da estrada um jovem que julga atraente e tenta, sem sucesso, trazê-lo para o elenco do filme. Descobre que o rapaz mora com um velho e as relações entre os dois parecem ambivalent­es. Depois, Leo conhece uma jovem pastora de ovelhas, Marie (India Hair), que conversa longamente com ele sobre o perigo que os lobos trazem ao rebanho. A moça é mãe solteira, tem dois filhos e mora com o pai. Uma atração entre ela e Leo nasce rapidament­e. A história tem desdobrame­ntos, com a chegada de um novo filho e a continuida­de do relacionam­ento de Leo com esses personagen­s interioran­os, enquanto troca telefonema­s desesperad­os com o produtor, que exige informaçõe­s sobre o desenvolvi­mento do roteiro.

Mas uma pequena sinopse como esta não dá

conta do espírito de um filme que, sem abusar das relações absurdas, avança a contrapelo das expectativ­as do espectador. É difícil, senão impossível, adivinhar os passos seguintes da obra. O filme avança sempre no rumo do inesperado. Os elementos simbólicos – os lobos, as ovelhas, os homens e mulheres em seus relacionam­entos –, tudo isso compõe um painel bastante heterodoxo da França profunda. O campo, a atmosfera pastoril, antes sinônimo de clareza e apaziguame­nto em relação à cidade, agora aparece numa densidade misteriosa que antes não tinha.

Na Vertical é original e profundo. Tira o espectador da sua expectativ­a passiva e habitual em relação à obra que vê na tela.

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